20/12/2010

A DESTRUIÇÃO DOS TEMPLOS PROTESTANTES EM FRANÇA

Sobre o tema da Inquisição continuaremos a postar neste blog alguns episódios das perseguições feitas pela Igreja Católica Romana aos Crentes que não tinham outro pão a não ser o Maná de Deus, a Sagrada Escritura. Tanto há para dizer, foram tantos os inocentes que por amor à Palavra tal como os Apóstolos e os cristãos da primitiva Igreja deram as suas vidas em testemunho que vale mais morrer pela VERDADE que viver subnutridos por doutrinas erróneas!
O tema de hoje, assim como outros episódios versa sobre o terror vivido em França, findo este episódios que preparámos apresentaremos um resumo da história da Inquisição em França, assim, os nossos leitores poderão ter uma visão geral e compreender o que representa para o Crente em Jesus a VERDADE.
Por este tempo, 1680, os templos protestantes foram arrasados. Os 1.500 pastores foram expatriados no breve período de 15 dias. Os seus livros de estudo e meditação, as suas Bíblias, livros de sermões, manuais de ensino foram queimados e autos-de-fé; 400 em Nîmes sobre a ordem do presidente da Câmara, 3.000 em Bordeaux, e um número considerável a Beaucaire. Outros foram destruídos pelos seus possuidores para que não caíssem nas mãos de gente tão bárbara.

16/12/2010

VIVER LIVRE OU MORRER

"Viver livre ou morrer"
No seu livro “Contrato Social” Jean-Jacques Rousseau, pôde afirmar que a Revolução francesa, no que ela tinha de mais excelente; era filha do protestantismo. Os verdadeiros protestantes podem proclamar com legitimo orgulho que o genuíno conteúdo no que diz respeito aos princípios de 1798 é da pura influência dos Pastores do Deserto. Eles tinham-se inspirado nas sua velhas Bíblias, no que concerne às palavras do Mestre “as palavras não hão-de passar”.

MUSEU DO DESERTO - FRANÇA

Razão do nome:
Na história do protestantismo francês, a expressão Desert define o período de tempo entre a revogação do Édito de Nantes (1685) ea Revolução Francesa (1789).

Privados da liberdade de culto, longe das cidades, escondidos em áreas isoladas, desertos (no deserto, florestas, cavernas, ou barrancos ...), onde os protestantes na França (no Cevennes, mas também em Haut-Languedoc, em Poitou , Dauphiné, Vivarais ...) eram obrigados a viver sua fé na clandestinidade.

A palavra deserto também tinha um sentido bíblico para eles, os 40 anos do povo hebreu do Êxodo vagou no deserto, um lugar de provações, as tentações e desespero, mas também quando eles ouvem a palavra do Senhor.

Este capítulo aborda a história de toda a França, mas especificamente a região do Languedoc e os Cévennes, onde o protestantismo foi amplamente estabelecida no início do século XVI.

O INÍCIO DA INQUISIÇÃO

Galileu diante do santo Ofício
O termo Inquisição refere-se a várias instituições dedicadas à supressão da heresia no seio da Igreja Católica. A Inquisição foi criada inicialmente para combater o sincretismo entre alguns grupos religiosos, que praticavam a adoração de plantas e animais e utilizavam mancias (adivinhação). A Inquisição medieval, da qual derivam todas as demais, foi fundada em 1184 no Languedoc (sul da França) para combater a heresia dos cátaros ou albigenses. Em 1249, implantou-se também no reino de Aragão, como a primeira Inquisição estatal) e, já na Idade Moderna, com a união de Aragão e Castela, transformou-se na Inquisição espanhola (1478 - 1821), sob controlo direto da monarquia hispânica, estendendo posteriormente sua actuação à América. A Inquisição portuguesa foi criada em 1536 e existiu até 1821). A Inquisição romana ou "Congregação da Sacra, Romana e Universal Inquisição do Santo Ofício" existiu entre 1542 e 1965.

14/12/2010

OS PASTORES DO DESERTO

O édito de revogação de 1685 retirava toda a existência legal aos protestantes franceses. Os seus casamentos eram chamados “concubinagens”. Os seus filhos reputados “bastardos” e eram impossibilitados de herdar ou de exercer um emprego. Os seus mortos não eram admitidos nos cemitérios sendo lançados em valas comuns. Foi a fidelidade heróica dos Pastores do Deserto que os salvou da destruição total e trouxe a esperança e a liberdade espiritual que era o maior galardão dos protestantes das Cévennes em França.

18/11/2010

A INQUISIÇÃO EM ESPANHA.

Frei Tomas de Torquemada - o carrasco
de Espanha. Nasceu em Valladolid
1420-1498
Em Espanha a Igreja de Roma encontrou campo bem aberto e largo, para o estabelecimento das suas tendas infernais; onde ela deparou com fartura de carne humana, para regalo das sua atrocidades, e onde viu luzir tesouro inexaurível da sua cobiça e das suas ambições insaciáveis, foi na Espanha.
É verdade que a Inquisição trazida para Espanha pelos primeiros inquisidores – os flagelos do Linguadoque e da Provença – e estabelecida no reino de Aragão, não pôde manter-se os inquisidores, confiados talvez em que todos os outros estados iam aderir sem discussão, não estiveram com meias medidas: logo aos primeiros passos, a sua conduta foi tal, que, aliada à recordação de todos os furores eclesiásticos no Linguadoque (artigo que apresentaremos), deu como consequência a sublevação geral contra eles. Foi Castela e Toledo, Andaluzia, Salamanca, Samora e Astúrias… E até o próprio Aragão acorda e se revolta. O povo riu-se das suas sentenças, arrombou as portas das prisões e deu liberdade às vítimas da Inquisição. Não foram os inquisidores de todo expulsos. Sucedeu, porém, como se o tivessem sido!... Mas…
Em 1420, nascia, em Valhadolid, Tomás Torquemada. Viajando, ainda muito novo, apaixonou-se em Córdova por uma mulher. Não soube ou não pôde prendê-la; e um mouro, preferido por ela, levou-a para Granada!... Germina, então, e radica-se no coração de Torquemada o ódio de toda a sua vida contra os Mouros. Vai dali a Saragoça, onde frequenta os estudos de Teologia e, pelo braço de um padre que o admirava, entrou no Convento dos domínicos. Aprende, rebuscando nos arquivos, a conhecer a autoridade que desfrutaram os inquisidores. O ódio, a ambição, o desejo de vingança, projectando-lhe, bem definido e avultado, um pensamento que precisa de corresponder a uma realidade – o restabelecimento da Inquisição.
Fernando V de Espanha
(Museu de Madrid.)
Era no entanto, preciso unificar a Espanha sob uma só vontade…E Torquemada pressente a possibilidade de reunir Aragão com Leão e Castela…
Veste o hábito de S. Domingos e vai para Toledo pregar.
Faz-se cortesão, esmoler de Isabel, e seu confessor, por último. Imperou-lhe no pensamento e no coração; inoculou-lhe a arma da dissimulação e a ideia de grandeza que lhe havia de vir, um dia, da sua união com o príncipe herdeiro de Aragão. E Isabel amou o príncipe… No confessionário instruiu-a, o domínico, de todos os princípios de governo e da política que lhe convinha. Depois, prepara-a para a primeira comunhão; traça-lhe o Céu de felicidades, dado por Deus aos príncipes que persistem na fé e pinta-lhe as desgraças que os acompanham quando se apartam da religião católica… Vêm a propósito as heresias…. As medidas rigorosas que o vigários de Jesus Cristo se têm visto forçados a usar para as expulsar do coração do homem. E ouve, enfim, à princesa o juramento de que, quando fosse rainha, havia de restabelecer a Inquisição!
Isabel a Católica (Museu de Madrid.)
O “quemadero” – a rainha facilmente convenceu o rei, e os dois católicos entram na faina da sua santidade! Em fins de 1481, só em Sevilha tinham sido queimadas cerca de trezentas pessoas e condenadas a cárcere perpétuo oitenta. No resto da província e no bispado de Cádis, foram à fogueira, nesse ano, 2. 000, e 17. 000 condenados a diversas penas.
“Para maior facilidade das execuções – escreve Alexandre Herculano – levantou-se em Sevilha um cadafalso de cantaria onde os judeus e os cristãos-novos eram metidos, lançando-lhes depois o fogo. Este monumento que ainda existia nos princípios do século XIX, era conhecido pela expressiva denominação de Quemadero.
O terror obrigou milhares de famílias a fugir de Espanha. Queixaram-se ao papa. Sisto IV mandou chamar à reconciliação aqueles que a pedissem, ainda que condenados aos suplício das chamas. Assim o disse numa bula de 2 de Agosto de 1483… Onze dias depois, revogou-a! Alguns cristãos-novos que voltaram de Roma, depois de pago e bem pago o favor do papa, e chegaram a Sevilha confiados na promessa, como estava revogada a bula, foram queimados e os seus bens confiscados! Santa Inquisição…
Por fim, é Torquemada erguido à maior altura do seu sonho. É feito cardeal e o primeiro inquisidor-geral em toda a Espanha. Tem sob as suas ordens quarenta e cinco inquisidores-gerais. “A Inquisição é uma instituição política e permanente, com autoridade soberana, absoluta, independente dos bispos.”
Em catorze anos, este Torquemada, que deu ao tribunal da Inquisição espanhola a forma jurídica oposta a todas as leis humanas, instaurou processo a cerca de oitenta mil, realizando-se as execuções entre cerimónias e festas religiosas de inconcebível pompa! A certa altura, os Judeus afligem-no de mais. Não o satisfaz a conversão forçada e a tortura e o fogo. Quer ver-se, de vez, inteiramente livre da raça maldita, por ter religião diferente da de Roma. É preciso correr de toda a Espanha os Judeus!
Torquemada atirando o crucifixo
a Fernando e Isabel - Aguarela
de Morais na "História de Portugal"
de Pinheiro Chagas.
Os pobres Hebreus, aterrados com as notícias em curso, de que seriam expulsos e sabendo de quanto D. Fernando é amigo de dinheiro, cotizam-se e oferecem aos reis trinta mil ducados, números redondos, para que os deixassem em paz. Além do dinheiro, prometiam sujeitar-se às obrigações civis que lhes eram impostas, habitar em bairros separados, recolher antes do anoitecer e abster-se do exercício de profissões só próprias de cristãos. Era tal o amor à terra que preferiam os flagelos do Santo Ofício!
Fernando e Isabel, comovidos, pensaram um instante em tolerar no reino os Judeus. Mas, de súbito, Torquemada, entrando junto dos soberanos e atirando-lhes para cima de uma mesa com um crucifixo, disse-lhes: “Judas vendeu Cristo por trinta dinheiros. Vossas Altezas querem vendê-Lo por trinta mil ducados; aí o têm, realizem o mercado.” Os reis ficaram aterrados e assinaram em 31 de Março de 1492 a sentença de exílio. Os Judeus tinham de abandonar a Espanha dentro de quatro meses.
Os Espanhóis tinham degolado na América povos e reis, em homenagem ao seu Deus, conforme se dizia. Na sua própria pátria encontraram as fogueiras prontas a devorá-los, em nome do mesmo Deus…
E só porque Torquemada, o inquisidor feroz, quisera ser cardeal e exercer um poder independente e superior aos grandes e anos reis, e porque queria vingar-se do mouro de Córdova em todos os Mouros e Judeus; e só porque Ximenes, o primeiro-ministro, queria ter à sua ordem uma instituição fatal a todos os seus inimigos e que fosse o baluarte que o mantivesse nas honras a que se tinha erguido; só para servir as ambições, os ódios e as vinganças de um frade dominicano e de outra franciscano – Torquemada e Ximenes – os Reis Católicos, estabelecendo a Inquisição, inundaram a Europa de sangue…!

Contexto:No século XV a Espanha não era um estado unificado, mas sim uma confederação de monarquias, cada qual com seu administrador, como os Reinos de Aragão e Castela, governados por Fernando e Isabel, respectivamente. No Reino de Aragão (na verdade, uma confederação de Aragão, Ilhas Baleares, Catalunha e Valência) havia uma Inquisição local desde a Idade Média, tal como em outros países da Europa, porém ainda não havia Inquisição no Reino de Castela e Leão.
A maior parte da Península Ibérica estava sob o governo dos mouros, e as regiões do sul, particularmente Granada, estavam muito povoadas de muçulmanos. Até 1492, Granada ainda estava sob o controle mouro. As cidades mais importantes, como Sevilha, Valladolid e Barcelona (capital do Reino de Aragão), tinham grandes populações de judeus em guetos.
Havia uma longa tradição de trabalhos de judeus no Reino de Aragão. O pai de Fernando, João II de Aragão, indicou Abiathar Crescas, um judeu, como astrólogo da corte. Muitos judeus ocupavam postos de importância, tanto religiosos como políticos.
O aragonês Fernando não pensava usar a religião como meio de controlar o seu povo, mas sim desejava as religiões judia e muçulmana fora de seus domínios, e a inquisição foi o meio que usou para atingi-lo. Muitos historiadores crêem que a Inquisição foi o método usado por Fernando para enfraquecer os seus opositores principais no reino. Possivelmente havia também uma motivação económica: muitos financistas judeus forneceram o dinheiro que Fernando usou para casar com a rainha de Castela, e vários desses débitos seriam extintos se o financiador fosse condenado. O inquisidor instalado na Catedral de Saragoça por Fernando foi assassinado por cristãos novos.
O papa não desejava a inquisição instalada na Espanha, porém Fernando insistiu. Ele persuadiu a Rodrigo Borgia, então bispo de Valência, a fazer lobby (exercer influência através de um grupo de pressão) em Roma junto ao papa Sixto IV. Borgia teve êxito com a instalação da Inquisição em Castela. Mais tarde, Borgia teve apoio espanhol ao seu papado ao suceder Sixto IV, com o título de papa Alexandre VI.
Sixto IV era papa quando a Inquisição foi instalada em Sevilha no ano 1478. Ele foi contra, devido aos abusos, porém foi forçado a concordar quando Fernando ameaçou negar apoio militar à Santa Sé. Fernando obteve assim o que desejava: controlar sozinho a Inquisição espanhola, mas com a bênção do papa.

10/11/2010

A INQUISIÇÃO PORTUGUESA: OS JUDEUS EM PORTUGAL

Os reis de Espanha no dia 31 de Março de 1492, assinaram a sentença de exílio dos Judeus, estes tinham que abandonar a Espanha dentro de quatro meses.
Pensaram, então, em ir para onde tivessem mais probabilidades de ser bem recebidos. Pediram ao rei de Portugal. Felizmente, em Portugal, ainda nessa hora as famílias de raça hebraica estavam no sossego de Deus. D. João II, não deu ouvidos a quem lhe antepunha argumentos contrários à imploração dos Judeus de Espanha, e aceito-os. Fez bem. D. João II, nesse gesto, foi tão grande, quanto foram infinitamente pequenos os reis que lhe sucederam.
Havia um prazo, durante o qual os foragidos do reino vizinho haviam de arranjar meio de se passarem daqui para onde devessem fixar residência definitiva. É verdade que o rei pedia preço pela hospedagem: oito cruzados por cabeça – à excepção dos ferreiros, latoeiros, malheiros e armeiros, pois que estes, vistos os seus serviços interessarem directamente ao Estado, pagariam apenas quatro cruzados por cabeça. Mas o rei foi magnânimo!
Vieram de Espanha vinte mil casais judeus… Depois uns foram para o Norte de África morrer à fome e sob a perseguição selvagem desses povos que, fiados na fama de que todos os Judeus eram ricos, os matavam para lhes procurar o ouro nas entranhas, já que lho não encontravam nos farrapos que vestiam…; outros foram parar à ilha de São Tomé, onde morriam, dizimados pela tormenta do clima e pelos crocodilos que por lá abundavam nesse tempo, conforme testemunham alguns historiadores. Outros seguiram melhores destinos, encarreirados por melhor sorte… Os que não embarcaram, ficaram cativos.
Trabalhavam de graça, mas estavam sossegados na nossa linda terra…
Sossegados! Como se pudesse ter sossego o judeu ou quem ousasse pensar contra a doutrina da Igreja Romana! Talvez tivesse sido melhor para eles afrontar outros perigos… longe de Portugal!
Quando D. João II foi, enfim, a ver o que já há muito não via, e que era o príncipe seu filho… morto no catre de um pescador da ribeira… o príncipe D. Afonso que:

Era de dezassete anos
E casado de oito meses
Perfeito entre os mundanos,
Mui quisto dos Castelhanos,
Descanso dos portugueses,

Como canta Garcia de Resende, sucedeu-lhe D. Manuel, duque de Beja, irmão da rainha viúva. Foi aclamado em Alcácer, com vinte e seis anos, recebendo do cunhado o Reino cheio de prosperidades…
Mas começou logo o Venturoso por despeitar as últimas vontades do rei morto e de tal jeito, que abriu as portas do Reino a quantos eram acusados de conspirar contra D. João II. Àqueles que D. João julgou dever castigar deu-lhes D. Manuel a reabilitação. Parece que o fazia de propósito deliberado. Parece que era ingrato pelo prazer de o ser, o rei! … E pôs inteiramente de banda a política de D. João II, o pobre rei Venturoso! Tanto, que se empertigou logo, em predomínios, a nobreza…
D. Manuel gostava muito da filha dos reis de Castela e Aragão, a princesa Isabel, que era de há pouco viúva do príncipe D. Afonso. Ela amara com primeiro amor o príncipe morto e muito longe da ideia de tornar a casar, lhe andava o coração e o pensamento! D. Manuel, porém, tinha pressa dela e vaidade de a ter. Mandou um primo, D. Álvaro, a Castela, pedir a sua mão. Os pais, que muito interessados estavam nesse casamento, para servirem a causa santa de Roma, tanto teimaram, que ela, afinal, cedeu. Cedeu com uma condição…D. Manuel quando a pediu, indo ao encontro dos desejos dos Reis Católicos, mandou sair do reino todos os Judeus não convertidos, no prazo de dez meses, sob pena última e confisco de todos os bens, no caso de desobediência, em benefício do delator.
A noiva completava a obra. A princesa Isabel mandou estipular expressamente, no contrato de casamento, assinado em Agosto de 1497, a expulsão dentro de um mês de todos os indivíduos de raça hebraica, que, condenados pela Inquisição, tinham vindo buscar refúgio em Portugal. Só depois de verificado este facto, D. Isabel se tinha por obrigada à celebração do enlace matrimonial!
Ódio do coração aos Judeus? Desejo de servir a política paterna? Não se pode definir com inteira justeza a razão íntima que dominava a alma de D. Isabel quando lançou essa exigência.
O que talvez possa afirmar-se, é que o rei fez todo o mal que fez, nesse momento, por amor dela.
A verdade, porém, ergueu-se logo, indefectível, nas imagens cruas da realidade. Viu-se, imediatamente, o erro do golpe. Os Judeus não acudiram à conversão, com medo do exílio. Os Judeus não renegaram a sua crença. Os Judeus iam-se embora… E como nas suas mãos estava a riqueza monetária do País e em grande parte o comércio e a indústria…indo-se eles embora, perdia Portugal uma riqueza enorme.
Alarmou a todos a resolução dos Judeus! O rei reuniu conselho em Estremoz e declarou… ter resolvido obrigar os Judeus ao baptismo.
Foi dali para Évora e mandou de lá as suas ordens: a todos os Judeus que preferiam o desterro ao baptismo fossem tirados os filhos de menos de catorze anos. Antes de aparecerem os oficiais régios, antes mesmo de publicadas as instruções do rei, a noticia correra como ave sinistra por toda a parte! Que horroroso desespero!
As mães resistem até à loucura, em face de tamanha violência e de tão feroz desumanidade! E num delírio fantástico d dores, enfurecidas, fazem os filhos em pedaços, estrangulam-nos, atiram com eles ao fundo dos poços, mas não os entregam aos esbirros do rei que estava servindo os interesses e os ódios de Roma, através dos desejos dos Reis Católicos e da filha, sua noiva.
Começa-se a falar sem rebuços na necessidade, para Portugal, da Inquisição à maneira espanhola.

25/10/2010

A INQUISIÇÃO PORTUGUESA: O COMEÇO DA MATANÇA

A matança dos cristãos-novos
em Lisboa no reinado de
D. Manuel I -
Desenho de Manuel de Macedo.
Entretanto, se, por um lado, tinha afrouxado a intolerância na corte de D. Manuel, por outro lado, o povo sempre excitado pelo fanatismo dos padres, avolumava-se em ódio ao hebreu. O frade, sem distinção, a Igreja toda, não se amainava na suspeita, senão vendo os Judeus todos em cinzas. Por um certo orgulho de raça, ofendia os Hebreus o faço de não serem admitidos em certos cargos e dignidades, só por serem Judeus. E tanto mais nesse sentimento se doíam, quanto era certo que detinham o melhor da riqueza nacional. Quer, por conseguinte, em virtude desta circunstância de amor-próprio magoado, quer também muitas vezes pelo terror das perseguições, abandonavam alguns as crenças de seus pais… Tomavam então o nome de cristãos-novos, como temos visto; e o povo chamava-lhes “conversos”, “confessos”, “marranos”, termo que correspondia a maldito; e os próprios Judeus chamavam-lhes, entre nós “tornadiços”, isto é, renegados.
Quando lhes passava o medo ou já tinham satisfeitas as ambições, arrependiam-se de ter abjurado e, em segredo, retomavam as práticas judaicas.
Mantivessem-se, porém, ou não, no rito cristão, fossem convertidos ou por converter, judeus ou marranos, estavam sempre sob o ódio católico. Era este ódio santo da Igreja que os padres sopravam à alma ignorante e supersticiosa do povo. Era este ódio que o povo, apesar do arrependimento verificado na Corte, votava tenebrosamente ao judeu, não acreditando na sinceridade dos conversos e até considerando, como a maior das blasfémias, a prática dos ritos cristãos por eles e as orações que lhes saíam dos lábios heréticos…
Ao passo que os católicos-padres atiçavam mais piedosas cores, perante o Céu, o exemplo da Espanha na defesa da fé. Alentavam a propaganda… Iam tecendo a malha apertada em que se havia de aviltar o brio nacional… E já se falava sem rebuço na necessidade, para Portugal, da Inquisição à maneira espanhola!
Inquisidor-Geral Nuno Cunha
(Gravura da época)
Os cristãos-novos ouviam e estremeciam intimamente de terror, pressentindo no ambiente os terrores de tamanha desgraça. Os mais cautelosos e opulentos trataram logo de se preparar para se porem a salvo. Fizeram-no, porém, com tanta precipitação, alienando propriedades e transferindo, por meio de letras de câmbio, os dinheiros, que imediatamente se desconfiou deles.
Tomaram-se logo medidas proibitivas de câmbios com os cristãos-novos sobre mercadorias ou dinheiro e ordenou-se a denúncia dos que já tivessem sido feitos, no prazo de oito dias. Além disso, determinou-se que ninguém lhes podia comprar sem licença e que nenhum podia sair do Reino com mulher, filhos e casa, sem autorização expressa de el-rei…
A 15 de Abril de 1506 – domingo – fizeram-se preces públicas contra a peste que içava Lisboa e lhe dizimava a população. Houve procissão de penitência da Igreja de Santo Estêvão para a de S. Domingos, celebrando-se nesta, por fim, preces solenes. No alto da capela de Jesus, sobre um crucifixo que ali havia, julgou ou fingiu alguém ver um reflexo. Nestas ocasiões há sempre muita gente que vê tudo o que lhe dizem. Mas também os há que não vêem nada de extraordinário. As beatas e os supersticiosos disseram logo em gritaria que era “milagre”. Dos que duvidavam, um cristão-novo disse que, se existiu algum reflexo, só podia ter vindo das luzes acesas ao pé. Mal o desgraçado tais palavras proferiu, o povo, todo em alvoroço, arrastou-o até ao Rossio, linchou-o e queimou-o.
Trecho de uma gravura representando um
Auto-de-Fé em Espanha
no século XVII
Podia talvez o caso não ter ido longe de mais, se houvesse realmente na Terra, em Portugal, em Lisboa, no Rossio, na Igreja de S. Domingos, algum modesto representante dos companheiros de Jesus de Nazaré. Mas não havia. Houve simplesmente dois frades dominicanos, que saíram do templo, de crucifixo na mão, clamando vingança contra os inimigos da fé! Sempre, sempre, pelos séculos fora, a Igreja de Roma a espremer a esponja de fel e vinagre nos lábios sequiosos de Jesus! A plebe acende-se de raiva… Cresce em número e em ousadia! E sempre os dois frades dominicanos, à frente, a por em brasa a “pobre gente”!... Nisto, um terceiro “tonsurado” sobre ao púlpito e faz uma prática, incitando aos maiores crimes… Era a vos do Inferno, em labareda, que saía da boca do frade e enfurecia o povo, pondo-lhe a alma negra como a face dos demónios! Juntou-se à plebe da capital a marinhagem de navios holandeses que estavam no Tejo… Tudo correu para as ruas…Quantos cristãos-novos encontraram, quantos foram mortos e queimados em grandes fogueiras acesas no Rossio e na Ribeira! Só nesse domingo assassinaram passante de quinhentas pessoas – relata Damião de Góis.
Com a noite recrudesceu a desordem e na segunda-feira continuou a matança. Não encontravam na rua os Judeus? Arrombavam-se as portas das casas, arrastavam-se os moradores e… mulheres, velhos, crianças, todos, vivos ou mortos, eram lançados às fogueiras! Alguns fugiam de suas casas, corriam às igrejas, subiam aos altares e abraçavam-se às imagens dos santos, esperançados em que a misericórdia de Deus os livraria do suplício injusto! Mas não: a fera, atiçada pelos representantes do papa, aquecida pela onda de ferocidade que espraiava para além fronteiras, o tribunal de Torquemada, ia ali arrancá-los e matá-los sem distinção de sexo nem de idade. E as casas de todos eles eram saqueadas! E não eram só eles. Até cristãos-velhos eram mortos e roubados! Carnificina e pilhagem, em nome de Jesus!!!
Pura renegação da ideia cristã!
O Cristo – imagem-resplendor do Bem, da Paz e do Amor – chama de luz que resplandeceu pela última vez no coração dos Apóstolos, Seus companheiros tão queridos – era assim arrastado no opróbrio – era assim esbofeteado nas próprias chagas do corpo macerado – era assim cuspido nos lábios, crestados pela esponja da ignomínia, e nos olhos que se apagaram numa derradeira súplica de perdão.
Embora tendo afrouxado a matança ao fim de segunda-feira, ainda continuou na terça!
À tarde deste dia… quando já estava acabada a revolta, entraram na cidade a restabelecer o sossego o corregedor Aires da Silva e o governador Álvaro de Castro.
O rei estava em Avis. Quando lhe deram conhecimento dos sucessos que lhe haviam de deslustrar o reinado, mandou o prior do Crato e o barão de Alvito inquirir de tudo e punir os culpados. Averiguou-se que, além dos estropiados, tinham sido assassinadas cerca de duas mil pessoas.
Foram enforcados os cabeças de motim, sem exclusão dos reverendos padres pregadores!

14/10/2010

O FUNDADOR DA INQUISIÇÃO PORTUGUESA

D. João III – Depois da matança de 1506, a política usou de mais tolerância – e os judeus portugueses puderam, enfim, viver sossegados com D. Manuel. E apesar dos horrores de um passado, sempre recente pela agudeza das dores causadas, os Judeus não deixariam, durante os quinze anos que decorreram, até à morte do rei, de pedir aos Deus de Israel que desse a mais longa vida ao monarca português.
É que eles anteviam o perigo no filho que lhe havia de suceder e que desde menino se mostrava inimigo fanático e encarniçado da raça hebraica.
Assim foi. Morto D. Manuel, subiu Dom João III ao trono – com dezoito anos apenas.
Além do que era, nele, próprio de nascença, um espírito curto e fanático – dois factos haviam de ter pesado profundamente no carácter do piedoso rei.
Diz Frei Luís de Sousa que D. João, em pequeno, deu uma queda da varanda do Paço de Santos, tendo ficado bastante tempo sem acordo e sem fala e “com uma ferida na testa de que lhe corria muito sangue”.
Concordaram os historiadores em que esta queda devia ter mais ou menos afectado o cérebro do príncipe. Depois…aquele célebre desastre do casamento!...
O pai preparou-lhe o consórcio com D. Leonor, filha de Filipe I de Espanha e irmã de Carlos V; mas, pensando melhor, desfez-lhe depois o noivado e casou ele próprio com ela, em 1518. pode avaliar-se a dor que assombrou subitamente o ânimo do príncipe que, demais a mais, dera todo o seu primeiro amor à princesa. Sabe-se que até deram a D. Leonor como…parvo! Mas ele não o era tanto, que não visse a patifaria que o pai lhe fez!...
A mágoa cravou-se-lhe na alma, e em todo ele se via quanto o mau acto de D. Manuel o mortificava. Mas era só isso; apenas o traía a tristeza. Nem uma palavra, nem um acto, ele teve ao de leve, pelo qual o pai houvesse, por sua vez, de lhe fazer censura.
E tudo isso o fez “concentrando, recolhido, dissimulado”… sempre a morrer pela madrasta…
“Oh estranha pena fera!
Desditosa vida cara!
Oh quem nunca cá viera,
E com seu pai não casara,
Ou em casando morrera!”

Como dizia o Camões no auto de El-Rei Seleuco.
E, entretanto, levou vida de lágrimas e de fel!... Mas não cedeu!
Depois de morrer D. Manuel, ainda se falou e se tentou… mas D. João desposou a outra irmã de Carlos V, D. Catarina.
Auto-de-fé em Lisboa - de uma
gravura da
"História das Inquisições"
Todo ele passou a ser fervor católico, fanatismo fradesco, canibalismo intolerante, vendo um único inimigo a esmigalhar, a reduzir a cinzas – inimigo do rei, do País, do povo e sobretudo dos padres e da Igreja Romana: - o judeu, o cristão-novo – o herege.
Partiu dele, só dele, da trava espessa do seu coração, o impulso para a fundação do tribunal sinistro!
Já no tempo de D. Manuel, o povo, instigado incessantemente pelo frade, pedia já Inquisição à “espanhola”, contra os Hebreus, conversos – por serem eles, pelo prisma da ignorância desse mesmo povo e conforma afiançava a clerezia corrupta, autores de quantos males afligiam o cristão em particular e toda a nação em geral.
Em 1525, reunidos, já por motivo de falta de dinheiro, as Cortes em Torres Novas, os representantes do povo, ao passo que se queixavam dos abusos dos fidalgos, do clero e da Corte, vociferavam contra os cristãos-novos…
Torturas da Inquisição - Desenho
de Manuel Macedo.
Foi fácil dar satisfação ao povo, no seu ódio ao Hebreu. Num abrir e fechar de olhos, alapardou-se a Inquisição por Lisboa e outras terras; e, de súbito, em cárceres improvisados, lançaram-se amontoam-se amordaçam-se, enterram-se vivos, torturam-se os cristãos-novos, aos centos, aos milhares…
Foi fácil satisfazer ao ódio do povo – amassado no fanatismo bronco e selvático do padre, dentro de uma sociedade crapulosa!
Vinham dos vários sítios de onde aproavam as caravelas, escravos mouros e negros, apenas baptizados, mas sem que alguém tentasse ao menos incutir-lhes a fé. Viviam aqui em concubinato e aceitavam-se relações entre eles e as pessoas livres. Os seus filhos até à terceira ou quarta geração, ainda que fossem baptizados, eram marcados com ferro em brasa, como novilhos ou potros, para serem vendidos. E então as mães, para livrarem os filhos desse destino infame, abortavam ou iam mesmo até piores crimes. Sempre debaixo de maus tratos, cada vez mais neles crepitava o ódio. E como o baptismo lhes não trazia vantagem de alívio, recusam-no. Queimavam-nos, por isso, com tições acesos, ou com cera, toucinho e outras matérias derretidas…
Se o livre queria remir a consorte cativa, “o senhor opunha-se – escreve Herculano – e não raro a pretensão dava lugar a cena de violência e de sangue, ou a ser vendida a pobre escrava, para terras longínquas, quebrando-se assim, por um ímpio capricho, os laços que santificara a Igreja!”
Torturas da Inquisição - Desenho
de Manuel Macedo.
Os confessores revelavam os segredos da confissão… Em geral, os pregadores de púlpito buscavam apenas honras e dinheiro, lisonjeando os auditórios! – “Um dos males que afligiam o Reino – diz Herculano – era a excessiva multidão de sacerdotes… Disputava-se pelas aldeias, as missas, os enterros, as solenidades do culto, com altíssimo escândalo do povo. Os sacerdotes casavam clandestinamente. E como, por terem tomado ordens, ficavam fora da jurisdição civil, declinavam a competência dos tribunais seculares… As mulheres, para os salvarem, envileciam-se, declarando-se concubinas! Sacrificavam-se!... E muitos deles chegavam, depois desse sacrifício de tudo, que elas faziam por eles, a abandonarem-nas… rasgando assim… com o mais infame dos impudores, todos os laços santos, embora secretos…”
O povo! Mas o povo ignorava mesmo a religião. A religião e a moral era isto… num país “que se lançava nos extremos da intolerância e onde se pretendia conquistar o Céu com as fogueiras da Inquisição; num país que expulsava de si ou assassinava judicialmente os cidadãos mais activos, mais industriosos e mais ricos! Entre o clero secular sobretudo, pululava a imoralidade, a devassidão, a crápula…”
E D. João III levantava empréstimos por todos os modos, para cobrir a miséria em que o País caiu, depois que se renegou a politica de D. João II e a Nação se entregou, bêbada de prazer e de sangue, nas unhas da Igreja! Só o juro do dinheiro negociado na Flandres era um pavor! Chegou a exceder a importância do capital! Para se avaliar, o rei reuniu as cortes de Almeirim e pediu ao terceiro estado 200 000 cruzados. Deram-lhe cinquenta mil…
Era só para isto que D. João III reunia as cortes! E, tendo reinado, por fatalidade, trinta e sis anos, apenas as reuniu três vezes!
“Depois, mandou escrever cartas às pessoas abastadas do Reino, significando a cada uma com quanto desejava que concorresse.”
Uma vergonha! E era este o fundador da Inquisição. O que havia de ser o povo, no meio de toda crápula em que a nação se aviltava?!

01/10/2010

A INQUISIÇÃO EM PORTUGAL: A NÓDOA PORTUGUESA

Neste período entrou-se numa actividade frenética, tirando-se todo o partido legítimo e ilegítimo, lícito e ilícito, da bula de Maio de 1536. já se pode levantar bem a cabeça, em nome da lei do papado! E D. João III levanta-a e não perde o seu tempo: constroem-se prisões especiais para os réus de judaísmo, o edifício das Escolas Gerais converte-se em masmorras… mas tudo isso é pouco!
D. Pedro – o Regente na maioridade de Afonso V, mandara construir – na Praça do Rossio, em Lisboa, lado norte, um edifício destinado a habitação dos embaixadores estrangeiros… Por ter esse destino, se lhe chamava Paço dos Estaus. Foi ele quem salvou a insuficiência de cárceres. Instalou-se ali o Santo Ofício e ali se conservou até ao terramoto de 1775, sendo depois construído o Palácio da Inquisição.
Em Évora, logo desde 1536, em frente da Sé, no Largo do Marquês de Marialva, se erguia palácio próprio dos inquisidores. Foi o primeiro do país; e fizeram-se ali mais de vinte e duas mil condenações. Iam para lá os réus do Alentejo e do Algarve. A Inquisição de Coimbra satisfazia às necessidades piedosas da Igreja e do rei, nessa diocese e na da Guarda. Até chegou a funcionar o Santo Ofício em Lamego e em Tomar!
A Inquisição do Porto foi ordenada por D. João III em 1541 e instalou-se na Rua Escura, numas casas pertencentes a Fernão Aranha e a sua mulher Catarina Seixas. Houve naquela cidade um auto-de-fé em 11 de Fevereiro de 1543, para se mostrar à gente do Porto “quanto delicada era a justiça da Inquisição” – escreve no Há-Lapid, órgão da comunidade israelita do Porto, o capitão Barros bastos. O corregedor Francisco Toscano, quatro dias depois do auto, contava e el-rei o seguinte:
“…Esta provisão veio com outras do bispo, o qual logo fez ordenar tudo o que era necessário, e mandou fazer em um capo desta cidade, de onde estava a Porta do Sol, três cadafalsos pela ordenança dos de Lixª e a 11 deste mês de Fevereiro se fez o auto, em que houve 84 penitentes a saber, 4 que padeceram e 21 que se queimaram em estátuas, e 15 de cárcere perpétuo com sambenitos, e 43 penitenciados a cárcere temporal de 1 a 10 anos, e duas testemunhas falsas, as heresias destes (segundo as sentenças delatavam) foram muitas e graves e valeu aos de cárcere perpétuo, que pediram mesa, com muita contrição. O auto foi bem feito e sossegado, com boa ordem que nele houve, pôs grande espanto a gente desta terra, que nunca outro tal verão. Estimou-se a gente, que a ele veio assim desta terra como de fora, em 30 000 pessoas, e parece que esta justiça foi feita por vontade de deus, que chovendo os dias antes de muita água e vento, o dia do auto subitamente tornou mui sereno e claro; durou o auto com a queima até às 5 da tarde, nesta terra houve muito proveito, e fruto assim no espiritual como temporal depois que a Santa Inquisição é nela…”
Foram queimados vivos três homens e uma mulher; e dezasseis homens e cinco mulheres foram queimados em estátuas – diz o mencionado Sr. Barros Basto – “porque não desejando passar pela purificação do fogo, puderam fugir a tempo”. O que é certo é que, apesar dos “frutos” e do “proveito” que o corregedor atribui ao auto, não há noticia de ter havido outro no Porto e a própria Inquisição, ali, não pôde vingar, tendo sido extinto o tribunal em 1547. mas não magoava isso o ânimo da Igreja ou do rei: a Lisboa, Coimbra e às masmorras de Évora – chamadas covas da Inquisição – iriam parar os réus, ainda que viessem do…Paraíso!
E os Judeus fugiam quanto podiam! Chegavam naus carregadas de fugitivos a Ragaza, a Ferraria, a Veneza, a Ancora…Fugiam para a Inglaterra, para a França e sobretudo para os Países Baixos… E bem faziam os que podiam fugir!
Finalmente – Ao passo que, por um lado, o rei espremia no coração dos cristãos-novos todo o mal encontrado e inventado diabolicamente na bula de 1536, não desistia, por outro lado, de levar o pontífice a dar-lhe a Inquisição limpa de todo o “senão”!
Baltasar Limpo, o bispo e inquisidor do Porto, vai assistir ao Concílio de Trento, e quebra, enfim, todos os redutos. Tendo grande influência no Concílio, pugnou a favor do estabelecimento da Inquisição, sem restrições; e portanto a concessão do Santo Ofício a Portugal devia fazer-se conforme el-rei queria.
“O remédio da Igreja – dizia ele ao papa – está em evacuar os maus humores.”
Mas nem a influencia de Baltasar Limpo na assembleia conciliar, nem a simpatia da sua eloquência directamente sobre o ânimo do papa, teriam arrancado à Cúria o dó de peito, a nota final, que marca o termo do negócio vil de Roma, arrastado durante duas dezenas de anos, se não se desse ao pontifico o que ele ambicionava gulosamente!
A Inquisição foi finalmente instituída na sua forma mais completa e definitiva pela bula de 16 de Julho de 1547.
Em troca, Paulo III recebia as rendas do bispado de Viseu. “Dourou assim – escreve Alexandre Herculano – os seus últimos dias com os vis esplendores das torrentes de outro, que tinham sido o preço de um dos mercados mais infames que se encontram na história da humanidade… Os inquisidores de Portugal queriam carne humana: a Cúria subministrava-lha, mas na carta de aviso certificava aos compradores, que tinham de pagar à vista o preço da mercadoria: - as rendas da mitra de Viseu…
Só o neto de Paulo III, Alexandre Farnès, auferia do estabelecimento definitivo da Inquisição, em dinheiro corrente e em título seguro para o receber sucessivamente, perto de meio milhão de cruzeiros!”
E acrescenta o historiador insigne: “Os cristãos-novos que tinha logrado sair do País foram os únicos que escaparam…” No mais… “apodreciam nas masmorras, esquecidos até para o trato e para o suplício…”
O domínio absoluto do potro, da polé e da fogueira estabeleceu-se incontestavelmente na região das crenças religiosas, prevalecendo sobre a doutrina evangélica da tolerância e da liberdade… Muitos dos queimados, como Judeus convictos, morriam abraçados com a cruz, dando todas as demonstrações de sincero cristianismo – concordava o bispo de Chisano – mas observava que, apesar disso, era indispensável continuara a queimar os réus sentenciados, porque, se demonstrações tais pudessem salvá-los nessa hora tremenda, recorriam àquele expediente todos os verdadeiros hereges e nenhum seria punido!...
O século XVI – aquele século corrupto e feroz… tendo por inscrição no seu adito o nome obsceno de Alexandre VI, e por epitáfio em seu termo o nome horrível do castelhano Filipe II, o rei filicida, pode, em Portugal, tomar também para padrão, que lhe assinale metade do curso, o nome de um fanático, ruim de condição e inepto, chamado D. João III”.
Nódoa monstruosa, que surpreende e aflige ainda a alma portuguesa!

12/09/2010

O SANTO OFÍCIO: CRISTIANISMO OU BARBARIDADE?

O renascimento urbano e o nascimento intelectual está, como é sabido, ligado ao século XII. As classes sociais continuavam assim repartidas: 1- Os nobres – a que protege e usufrui; 2- Os clérigos – a que reza e continua a usufruir; 3- Os servos – a que trabalha e que não usufrui! Tudo estava compartimentado em função desta rígida divisão social.
Isto quer dizer que o povo continuava tão iletrado como antes! Era necessário dar corpo e voz a esta fórmula: “O exílio do homem é a ignorância; a sua pátria, a ciência”.
A transição do “saber” das abadias, para as cidades, dá-se a partir exactamente deste mesmo século. Assim, “em termos culturais, os centros ordenadores das representações mentais deixam de pertencer predominantemente ao clero, para se transladarem para os centros de decisão política e económica”. Será, como veremos mais abaixo, através da leitura e de um cuidado ensino das Escrituras, nas Universidades, que tudo irá acontecer! O conhecimento da Palavra de Deus será, por esta razão, extensivo às camadas mais simples – ao Povo!
Entre 1300 e 1450, tal como afirma Leopold Genicot “estende-se a sombra sobre a Idade Média”. Tempo de conflito, de contradição! Os séculos XIV e XV serão o preciso momento da “charneira” entre a sociedade feudal e o mundo moderno com tudo o quanto lhe é inerente; muitos autores se enquadram dentro desta maneira de pensar. Numa palavra: este século XIV será o período das grandes convulsões e da ruptura.
A crise do século XIV também acabou por se reflectir no campo espiritual. Ao nível das instituições religiosas, o que nos interessa focar, sucedeu o que se chamou de - “rasgões” - no imponente edifício da teocracia papal. A Igreja e o papado, minados pela crise económica, política e militar, conhecem um final de Idade Média, verdadeiramente crítico, devido: 1- À luta da realeza contra a jurisdição eclesiástica; 2- A crise de costumes do clero; 3- O surto de formação de Igrejas nacionais; 4- A heresia; enfim, tudo isto é, afinal, reflectido no Exílio de Avinhão e no Grande Cisma.
Tudo se passa como se a Igreja, já sem o prestígio e o dinamismo necessários para se impor com firmeza, fosse perdendo progressivamente a sua autoridade, mesmo até, onde sempre tinha primado, no plano intelectual!

Os Papas de Avinhão
O primeiro indício destas crises de âmbito mais alargado e, em particular, no seio da Igreja, foi a decisão do Papa Clemente V (1305-1314) de abandonar Roma para se instalar em Avinhão, devido aos constantes tumultos que agitavam Roma.
Tratava-se, segundo pensava, de uma instalação provisória. “Não pertencia Avinhão à Santa Sé? Não estava situada no condado da Provença, portanto, fora da jurisdição francesa”. Nada tinha a recear do rei francês Filipe, o Belo. “Assim se inicia o chamado «cativeiro de Babilónia» com os papas a residir em Avinhão durante 70 anos”.
Ao longo deste tempo se sucederam os diferentes pontífices; entre estes, alguns tiveram certas particularidades que realçaremos, a saber: Bento XII (1334-1342) “foi o primeiro Papa a usar a mitra de tríplice coroa, símbolo do tríplice poder ou dignidade pontifícia: real, imperial e sacerdotal” (sublinhado nosso). Com todos estes títulos, como identificar a dita “continuidade” da Igreja primitiva com tais prerrogativas de ambição de Poder? Pobre Simão Barjonas, caso viesse a saber de tais supostos sucessores!
A este sucede-lhe Clemente VI (1342-1352). Eis aqui, um homem que fazia jus ao seu cargo, à sua dignidade pontifícia. Eis o que este disse acerca de viver sob este mesmo fausto e pompa: “Os meus antecessores não sabiam viver como príncipes”. Quando consultamos os escritos daqueles ligados a esta confissão religiosa, mesmo assim, estes limitam-se a dizer: “Clemente VI não sobressaía pela piedade sacerdotal, dando-se em demasia ao luxo e ostentação de senhor temporal e protegendo excessivamente os parentes e amigos”!
Passaremos a dar a conhecer o porquê de tal afirmação! Vejamos: Como deverá proceder alguém que, a exemplo do seu antecessor se arroga no direito de usar uma tríplice coroa, símbolo do poder: real, imperial e sacerdotal? Deverá, como qualquer um seu igual em dignidade, viver e proceder em conformidade com os seus títulos? Foi exactamente isto, e nada mais, que o pontífice fez, viver como pensava que seria inerente ao seu grande cargo de Sumo Pontífice!
Tal era a degradação que, Santa Brígida da Suécia e uma outra, Santa Catarina de Sena, lhe escrevem, mas sem qualquer resultado prático. Sob este pontificado acontecem dois graves acontecimentos: 1- O início da Guerra dos 100 anos; 2- A Peste Negra, em 1348.
As repercussões deste último acontecimento foram tais que “por toda a Europa correu o boato de que a peste era um castigo de Deus contra o exílio dos papas em Avinhão, o «cativeiro de Babilónia»”.
Com Gregório XI (1370-1378) chegamos ao último Papa em Avinhão. Este deixa Avinhão “no dia 13 de Setembro de 1376, para chegar a Roma no dia 17 de Janeiro de 1377. Morre a 27 de Março de 1378, deixando a Igreja numa conjuntura difícil”. Eis a situação, em brevíssimas palavras, destes ditos sucessores do simples e humilde Simão Barjonas!

1- O Grande Cisma e Portugal
Devido à morte deste último pontífice, curiosamente, dois papas foram eleitos: Um, por Roma, tomando o nome de Urbano VI; Outro, por França, Clemente VII. As acusações mútuas multiplicam-se. Os apoiantes de Clemente VII, vociferando contra Urbano VI, convidavam-no a abdicar, apelidando-o de: “Anticristo, demónio, apóstata, tirano”. Este conflito que dividiu a Igreja desde 1378 até 1417, ficou conhecido pelo nome de Cisma do Ocidente.
A cristandade, em geral, encontrava-se dividida. Entre os crentes subsistia a grande questão: a quem obedecer espiritualmente? A Roma ou a Avinhão? Uns países optavam pelo Papa residente em Roma; outros, pelo de Avinhão! É neste contexto dúbio, e de certa forma conturbado, que todos os interesses políticos e religiosos se movem.
Uma carta enviada de Roma datada de 8 de Maio de 1378, enviada ao rei D. Fernando (expedida a todos os monarcas cristãos, e assinada por todos os cardeais eleitores) a comunicar a eleição de Urbano VI, com o seguinte teor: “(…). Por esta razão, nos pareceu informar-vos do que nestes dias se obrou na Santa Igreja Romana, para que não deis crédito a outras coisas, se acaso vo-las escreverem e disserem; e também para que a vossa consciência, informada por esta nossa atestação, sossegue e descanse sabendo a verdade (…).
Assim, o nosso monarca, “ (…) em modificação constante de alianças, seguiu primeiro Urbano VI (1378); depois, com hesitações, Clemente VII (1378-81); novamente Urbano VI (1381-1382); e uma segunda vez Clemente VII (1382-1383) O Mestre de Avis, em finais de 1383, tornou a preferir Urbano VI, mantendo-se a obediência a Roma a partir de então”.
Portanto, uma vez mais, o que norteava a adesão ao papado e, neste caso, a um deles, não eram, de modo algum, as convicções religiosas, mas as conveniências políticas, infelizmente!

2- Os Hereges
O papado torna-se o joguete da política europeia; como sempre, vivem para servir interesses inteiramente estranhos à função para que, aparentemente, o tinha sido suscitado – o espiritual!
Este clima irá provocar algumas reacções no seio da cristandade. Em primeiro lugar, dá razões para um novo impulso a todos aqueles que queriam libertar a Igreja da hierarquia corrompida que a desfigurava. Tendencialmente estavam mais inclinados a abandonar os sacramentos e a se aproximarem da Bíblia, a qual consideravam infalível. Esta posição era, para a Igreja, inadmissível porque estes afastavam-se da Tradição eclesiástica e, consequentemente, da Igreja visível, a qual pretendia ser a depositária desta tradição; ao mesmo tempo, afirmava ser a legítima intermediária entre a Bíblia e os fiéis. Homens, bem colocados, encabeçaram e representaram este aspecto da inquietação religiosa: Wyclef, João Huss e Martinho Lutero, entre outros.
O primeiro era um pensador original; o segundo, uma força eficaz; o terceiro, a sua continuação! Assim “o recurso à Sagrada Escritura é para Wyclif e para Huss a alternativa à Igreja num período de crise. Wyclif é um técnico superior do saber escolástico. (…). Contra a alternativa Wyclifista do recurso à Escritura, a Igreja é protegida pela alta tecnicidade do saber escolástico, pela impossibilidade prática de recorrer à Sagrada Escritura”.
E como poderia ser diferente?! Como é que esta confissão religiosa poderia suster os seus ensinos pelas Escrituras? Na impossibilidade de o fazer, como sempre, recorre ao argumento de se dizer mais velha! Ou então, apelando à Tradição, de cariz meramente humano! Assim, o Movimento Hussita tornou-se rapidamente a grande questão do dia, e que se alastrou para além das fronteiras da Boémia. Para encabeçar este movimento de descontentamento, aparece em cena – João Huss (1369-1415). Querendo um cristianismo mais puro, este Movimento provocará uma reacção na Igreja, visto que irá fazer despertar a necessidade de agir, para desta forma evitar que a Igreja seja universalmente rejeitada.
Vivia-se um clima de manifesta instabilidade política, social e religiosa. Para debelar esta situação, de ataque à Igreja, esta convoca grande Concílio. O mais importante da História, antes do de Trento e, ao mesmo tempo, o mais trágico de todos! Nunca a Igreja se tinha afundado tanto! Este abismo de escândalos chamava-se, como já o referimos: O Grande Cisma, devido à permanência da Cúria Romana em Avinhão.
Convoca-se o Concílio de Constança (1414-1418) onde se tratou, definitivamente, da situação interna e externa da Igreja; nomeadamente, de algumas vozes destabilizadoras, muito perigosas para o gosto desta confissão religiosa. Concorrência? Nunca! Afinal, quem era este insignificante docente: – João Huss!
Decretos foram surgindo e, para que nos apercebamos do clima vivido, transcreveremos alguns passos: “Todo aquele que, obstinadamente se recusar, ainda que seja o próprio papa, a submeter-se aos decretos, aos estatutos e às ordenações do Santo Concílio, ou de todos os outros Concílios Gerais, canonicamente reunidos, será submetido a penitência e receberá uma punição conveniente e, quando for preciso, recorrer-se-á até a outros meios fora do direito canónico”. Não será difícil adivinhar que tais medidas visavam silenciar toda e qualquer voz discordante, inclusivé, a de João Huss!
Que nos seja permitido aqui abrir um parêntesis: este pequeno excerto do decreto do Concílio de Constança, recorda-nos o que acima já abordámos no que respeita à última Carta Apostólica Ad Tuendam Fidem de João Paulo II, quando este escreve a dado passo: “(…) quem advogar uma doutrina definitivamente proposta ou condenada por errónea pelo Romano Pontífice ou pelo Colégio dos Bispos no exercício do magistério autêntico e, legitimamente admoestado, não se retractar seja punido com uma pena adequada”! Cinco séculos depois, o que é que mudou? Respondemos: NADA! E porquê? Só mudam as pessoas, as quais não passam de meros nomes efémeros!
A exemplo do passado, se a questão a tratar num determinado momento da nossa vivência, colocar em causa qualquer ponto doutrinário desta confissão religiosa, as sevícias do passado ressurgirão tais quais foram, para que esta se imponha, uma vez mais - não pelas Escrituras - porque nelas não se fundamenta, mas como sempre o fez, através da força e da repressão!
Uma vez mais, tal como na Idade Média, o tom das palavras da Carta Apostólica de João Paulo II o deixa adivinhar e, contrariamente ao que escreveu o nosso autor, far-se-á, uma vez mais tábua rasa de “(…) democracia, liberdade religiosa e direitos fundamentais da pessoa (…)”. Somos falsos profetas? Cremos que não! Sabe, prezado leitor, a História, dizem, tem tendência a ser “cíclica”, isto é, a repetir-se!
Mas afinal, quem eram estes homens de envergadura João Huss e Martinho Lutero? Analisemos um pouco da história de ambos para recordarmos estes homens simples mas, grandes e inabaláveis, nas suas convicções.

a) João Huss
O seu nome vem-lhe de Husinec, na Boémia, onde nasceu em 1369 no seio de uma família de aldeões eslavos, católicos fervorosos, que se honravam destes filho sacerdote. A Boémia , nesta época, estava a braços com uma aristocracia abastada e um clero corrompido, muito rico, detentor de um terço da fortuna pública.
Huss tinha-se tornado reitor da Universidade de Praga. Este era émulo de Wyclif, cujas obras penetraram na Boémia por volta de 1402. O zelo de João Huss, visava a reforma do clero. O Arcebispo de Praga excomunga-o!
Não se tendo verificado qualquer arrependimento, o Concílio irá proferir, a seu respeito, uma última decisão: “ tendo-se verificado que João Huss é obstinado e incorrigível e se recusa a entrar no seio da Igreja e a abjurar dos seus erros, decreta que o culpado seja deposto e degredado (…) e como a Igreja não pode fazer mais nada com Huss, entrega-o ao braço secular”. O que fez perder João Huss não foi, de modo algum, o seu orgulho, mas sim a sua fidelidade à Bíblia!
O processo continuou sob uma série de acontecimentos grotescos. Realçaremos um ou outro mais significativo: os bispos tiraram-lhe o cálice das mãos dizendo: “Judas, que abandonaste o conselho da paz para tomares o conselho dos judeus, nós te retiramos o cálice da Salvação”. De seguida colocaram-lhe uma mitra de papel, dizendo: “Abandona a tua alma a Satanás (…)”. A coroa era redonda e de quase dois pés de altura; tinha desenhadas “as figuras de três demónios horrorosos, apoderando-se de uma alma com as garras e levava esta inscrição: Hic est haeresiarcha (Este é um fundador de uma seita herética)”. E “quando saiu da Igreja estavam a queimar os seus livros na praça pública. (…) Todo o cortejo que o acompanhava era composto por uma inumerável multidão”.
Foi-lhe solicitado que abjurasse e confessasse os seus crimes e erros. De seguida foi amarrado a um poste vertical com uma cadeia ao pescoço; foi envolvido com madeira e palha até ao queixo. Uma vez mais foi convidado, pela última vez, a abjurar, mas sempre com resultado negativo! A ordem foi dada para se acender a fogueira; Huss, no meio das chamas cantava: Christe, Fili Dei vivi, misere nobis (Cristo, Filho do Deus vivo, tem misericórdia de nós); no momento em que ele ia repeti-lo, pela terceira vez, a asfixia o impediu”.
João Huss deu-se para que os ventos da Reforma pudessem continuar a soprar, contrariando assim a vontade desta confissão religiosa autoritária e opressora! João Huss morre “mártir a 6 de Julho de 1415”.
Como justificar tamanha crueldade e desrespeito pelo ser humano? Será através dos evangelhos? Neles somente encontramos outro tipo de violência expressa na inequívoca ordem: Ama o teu próximo (seja ele quem for, tenha ele a confissão religiosa que tiver) como a ti mesmo. Estas foram as palavras de Jesus, as quais orientaram, orientam e orientarão a vida de todos aqueles que se diziam, dizem e dirão ser Seus seguidores! Assim como também se aplicaram, aplicam e aplicarão a toda e qualquer confissão religiosa que diz ser e constituir a Sua continuidade nesta terra! Não poderá ser de outra maneira! E sabe porque o afirmamos? Por causa das palavras do Senhor Jesus!
Para o efeito, Ele mesmo anunciou um método infalível: “«Pelos frutos, pois, os conhecereis. Nem todo o que Me diz: Senhor, Senhor, entrará no reino dos Céus, mas sim aquele que faz a vontade de Meu Pai que está nos Céus»” – S: Mateus 7:20,21. (sublinhado nosso). Que abismo separa o dizer do fazer! É aqui, prezado leitor, que reside toda a diferença! Só por aqui é que poderemos saber se um dito “crente” ou “confissão religiosa”, são verdadeiros e se militam na VERDADE!
No evangelho não encontramos palavras que incitem à violência para impor uma vontade e, ainda por cima, espúria. Então, onde esta confissão religiosa as foi buscar, para justificar o seu pretenso zelo religioso?

b) Lutero
Nasceu, provavelmente, em 1483, em Eisleben (Turíngia).; filho segundo de um mineiro de origem campesina.
Mais tarde, apesar do desgosto paterno, entrou para os eremitas de S. Agostinho de Erfurt. Em 1507 é ordenado padre. Em 1509 é nomeado bacharel bíblico. Em 1510 interrompe a docência para fazer uma viagem a Roma. Ferido, mas não abalado na sua fé pelo espectáculo que lhe oferece a Cidade Eterna, regressa a Erfurt. Em 1511 é transferido para Vitemberg. Em 1512 é nomeado doutor em teologia.
Apesar da sua fidelidade à regra, Lutero não encontrava a paz que tanto aspirava. Quanto mais se submetia aos exercícios ascéticos, tanto mais considerava os seus méritos imperfeitos. A contrição e o arrependimento completo, que na falta de méritos suficientes lhe poderiam valer o perdão dos seus pecados, não lhe proporcionavam nenhum auxílio. A resposta que tanto esperava, irá encontrá-la, finalmente, em 1518, na epístola aos Romanos. Aqui descobre o texto que diz: “(…) o Justo viverá da fé” – Romanos 1:17.
Da vida de Lutero mencionaremos, para sermos breves, alguns episódios mais relevantes:
O Papa Leão X (1513-1521) renovara em 1515 a indulgência que o seu antecessor, Júlio II (1503-1513), promulgara tendo em vista a construção da Basílica de S. Pedro em Roma. Para a divulgação da mesma, confiara a sua pregação, para o norte da Alemanha, ao Arcebispo de Mogúncia, Alberto de Hohenzollern.
O Jubileu de 1516, o qual estava directamente associado à construção da Basílica de S. Pedro, propunha, nem mais nem menos, quatro tipos de negociações com Deus, a saber:
1- Um perdão total para quem se tiver confessado arrependido e tenha pago um óbolo tarifado segundo o seu rendimento e o seu estatuto.
2- A escolha do confessor e a suspensão de todos os casos reservados.
3- A participação nos bens espirituais da Igreja.
4- A troco do óbolo, a saída das almas do purgatório.
A consentir tal propósito era abrir a porta a dois tipos de males, a saber: 1- Favorecer uma devoção superficial; 2- Afastar os crentes da verdadeira fonte da salvação.
Além do mais, tal atitude, era um contra-senso de todo o tamanho, tendo em conta onde se encontravam Lutero e os seus paroquianos! E sabe porquê? Porque “a própria Igreja do Castelo de Vitemberg continha, graças à devoção e ao dinheiro de Frederico, o Sábio, relíquias capazes de assegurar aos devotos cerca de cento e trinta mil anos de indulgência!”
Lutero sentiu a necessidade de alertar os teólogos e de os convidar a reflectir acerca do problema; o reformador o fará nas famosas 95 teses sobre a virtude das ditas indulgências, assim como do seu verdadeiro significado! Com estas teses, ele não pretendia, diga-se com firmeza, instaurar uma nova doutrina ou criar uma nova confissão religiosa! O que ele desejava era “a reforma da Igreja Universal”. Ele propunha-se, simplesmente, recordar o que a Igreja ensinara outrora, ou seja, que as indulgências não conferiam às almas nada que contribuísse para a sua respectiva salvação e santificação. Só Deus podia perdoar os pecados daqueles que se arrependessem sinceramente.
Perante a situação que fomentou, Lutero foi admoestado a que se retractasse das suas posições anteriores tomadas contra Roma! O reformador irá comparecer na Dieta de Worms, em 1521, porque tinha atacado, entre outras coisas, a pretensão do clero e, em especial, do papa, de ser o único habilitado a interpretar as Escrituras! Pois “enquanto a discussão é teológica, não traz consequências, mas assim que o magistério da Igreja (entenda-se, a estrutura visível da Igreja-instituição) entra em jogo, o choque produz-se inevitavelmente e o conflito estala. (…). Nesta Dieta (tribunal) foi interrogado pelo Vigário-Geral; Lutero declarou-se incapaz de renegar os seus escritos, excepto se o conseguissem convencer de ter incorrido em erro à luz do testemunho da Sagrada Escritura.
Em síntese, poderemos dizer que a Reforma estava lançada! Devido ao seu grande entusiasmo começa a escrever o que seriam as bases deste grande movimento que ultrapassará as fronteiras alemãs, “e um oceano de papel impresso parte à conquista da Alemanha e da Europa”
Uma vez mais, sempre o mesmo dilema, sempre a mesma raiz de todos os problemas – as Escrituras! Como é que se pode ser cristão fazendo tábua rasa da Palavra de Deus? Será lógico ser-se julgado, por todos os meios, sem que nestes se integrem as Sagradas Escrituras? Se assim é, como se poderá dizer que esta ou aquela doutrina ou confissão religiosa está errada?
Quais os critérios de VERDADE, pelos quais julgar e catalogar um terceiro movimento ou terceiras pessoas? Se estes critérios de Verdade não existem, será que se poderá constituir uma acusação válida? Como seres pensantes e lógicos que somos, cremos que não!

c) A Inquisição
A Reforma estava implantada e era necessário engendrar os meios para a combater energicamente. Convoca-se o Concílio de Trento! Este prolongar-se-á por 25 sessões desde 1545 até 1563. Neste Concílio trataram-se, entre outros assuntos, de: a Tradição, as Escrituras e a Reforma. Não admira que se dissesse que “a Igreja com a nova fisionomia é uma Igreja de combate. O Concílio de Trento pronunciou, só ele, mais condenações, lançou mais anátemas que todos os concílios juntos!”
A Europa, devido às ideias propagadas pela Reforma, encontrava-se dividida e isto Roma não podia admitir! A resposta à Reforma Luterana será a Inquisição sob a liderança dos Jesuítas; esta ordem foi fundada por Inácio de Loiola (1491-1556). Este último regia-se por uma absoluta e incondicional obediência ao papa; o seu objectivo era a recuperação dos territórios perdidos em favor dos protestantes, assim como a conquista de todo o mundo pagão para a Igreja Católica Romana. Assim, a 15 de Agosto de 1534, Loiola e outros companheiros juraram consagrar todas as suas forças à Igreja. Esta Igreja “tinha chegado ao fundo do abismo, mas a subida estava próxima. O cadáver em pedaços ia reviver dentro em breve”.
Para que a depuração da Igreja tivesse lugar, foram escolhidos nove cardeais. Com um grande inquisidor como o Cardeal Caraffa era de esperar uma solução violenta. Neste clima de terror, diz-se que o Papa Pio IV (1556-1565) teria proferido uma frase, a saber: “tenho quatro C (Cês) grandes que me preocupam o espírito, isto é, Cardeais, Carafas, Concílio e Colonas”. Para que o prezado leitor tenha uma mínima ideia deste último, dele se diz: “o Cardeal Colona limpou a campina romana com tanta energia que se viram expostas na ponte de Santo Ângelo, disse o povo, mais cabeças cortadas do que melões no mercado!” Como reflexo deste dito que circulava, não é de admirar, a apreensão do Papa Pio IV!
Portugal, como é sabido, também foi contemplado com o estabelecimento da Inquisição no reinado de D. João III “pela bula de 23 de Maio de 1536”. A partir desta data, um terror generalizado se irá instalar; todos têm medo de todos por causa “das denúncias aleivosas, por meio das quais, à sombra do sacrossanto nome de Jesus Cristo e debaixo do véu da defesa do Cristianismo, se cometiam as mais atrozes vilezas, os mais espantosos perjúrios e as mais bárbaras traições”.
Neste tribunal eram julgados e condenados todos os que eram tidos por hereges; todos aqueles que tinham cometido o grande crime de estudar as Sagradas Escrituras! Denunciados e condenados eram conduzidos em suplício, em procissão dos Autos-de-fé. Para que o leitor possa ter uma mínima ideia do que este era, até ao suplício final, iremos descrever uma procissão deste tipo, feita em Lisboa:
“Iam diante os dois familiares, que tinham servido de procuradores naquele ano. Seguia-se a comunidade dos frades de S. Domingos e depois a cruz da Irmandade de S. Jorge. Acabada a irmandade ia o alcaide dos cárceres secretos, com a sua vara de meirinho. Seguiam-se imediatamente os réus, todos descalços e cada um entre dois familiares.
Iam primeiro os homens, por esta ordem: em primeiro lugar, os que não abjuravam, nem levavam hábito. Depois, os que abjuravam de leve suspeita na fé, como por casar duas ou mais vezes, sendo viva a primeira mulher. A seguir os que abjuravam de veemente suspeita de fé, que eram os que negavam haver cometido a culpa porque tinham sido presos, e a prova que resultou contra eles não foi bastante para se lhes impor a pena ordinária (queimá-los), que se dava aos hereges negativos. A estes não se confiscavam os bens, só pagavam os gastos da comida, roupa e processo, e dava-se-lhes o castigo que os inquisidores arbitrariamente julgavam proporcionado à culpa e à prova dela.
Seguiam-se imediatamente os que abjuravam em forma por judaísmo, os quais já iam decorados com uma veste adequada pelos inquisidores para este acto, a que dão o nome de Sambenito. Estas vestes colocavam-se, no penitente, sobre o seu traje ordinário, havendo até alguns que eram obrigados a trazê-las por longo espaço de tempo em sinal de penitência e em cumprimento da qual deviam, em certos dias festivos, permanecer nesta forma à porta dos templos principais ou de maior concorrência.
Logo a seguir seguiam-se outros mais graduados em criminalidade ou que, sendo réus do mesmo crime dos precedentes, reuniam outras circunstâncias que lhos tornavam mais agravantes; a estes confiscavam-se os bens e davam-se penas muito maiores do que aos outros. Acabados os homens, seguiam-se as mulheres, pela mesma ordem. Levavam também sambenito as que abjuravam por judaísmo. Era o sambenito uma veste em pano de lã amarela, que lançada pela cabeça descia do pescoço até abaixo da cintura, duma e doutra parte, e de ambas assentava sobre este pano uma cruz em forma de aspa, a qual era de cor vermelha.

09/09/2010

A INQUISIÇÃO EM PORTUGAL: O SUPLÍCIO!

D. João III
EM esplendor – morto D. João III, continuou o tribunal-flagelo num perfeito à vontade, visto que os seus sucessores não se preocupavam com opor-lhe embaraços. D. Sebastião enterrou a monarquia nos areais de Alcácer; o cardeal D. Henrique, que tanto tempo foi inquisidor-geral, pouco reinou e tinha o Santo Ofício no coração… Excluído o duque de Beja e seu filho D. António, os fidalgos e o clero entregaram o trono a Filipe II de Espanha.
Por conseguinte, em 1580, entra em verdadeira explosão a Inquisição. O rei, que tanto a protegia em Madrid, com certeza não se iria opor ao seu mais vasto desenvolvimento em Portugal, tanto mais que lhe servia de instrumento para o primeiro país conquistado. E assim enquanto os Portugueses eram queimados pela Igreja, em nome de Deus, eram também despojados, em nome do trono, pelo rei. De sorte que os nobres, que, por seus bens, eram suspeitos de ter crédito na nação, logo eram declarados hereges e traidores. E, se fugiam, para salvar a vida, sofriam imediatamente o confisco dos bens.
Filipe nomeou o arquiduque de Áustria, cardal Alberto, governador ou vice-rei de Portugal e o papa nomeou-o núncio e inquisidor-geral.
As únicas funções que os Portugueses exerceram durante o domínio espanhol foram as de pagar impostos.
O povo de “varões assinalados”, “que por mares nunca dantes navegados”, tinha aberto à Europa o caminho da Ásia e cobrado tributo do Ganges e da China, caminhava agora como um rebanho de ovelhas para as torturas e para as fogueiras da Inquisição, ou morria de miséria sobre o próprio território para onde carreara os tesouros da Índia.
O tormento de fogo
D. João IV – Mas um belo dia, um punhado de patriotas, secundados pelo povo, sacode o jugo de Castela. Oferece o trono de Portugal ao duque de Bragança, que fica perplexo… Mas a mulher, D. Luísa de Gusmão, ter-lhe-ia dito: “Aceitai, D. João: excelente coisa é morrer como rei, ainda que não seja senão por um quarto de hora.” Fosse como fosse, D. João foi rei.
E uma vez que o reino lhe foi entregue por quem pôs em risco a vida para o reaver dos estrangeiros, tinha por obrigação ser rei…de Portugal. Era detentor de uma autoridade que lhe foi conferida pela Nação, representada pelos conspirador s de 1640…Atrás dos Filipes parece que devia ter ido a Inquisição. A Inquisição e o papa. A obra enorme a fazer, depois de resfriado o rescaldo do incêndio, foi confiada a um fraco rei, gerador de fraca dinastia. Começa, por consequência, a era nova com a cumplicidade do rei nas infâmias do Santo Ofício. Apenas teve coragem para proibir o confisco dos bens aos acusados. Claro que os inquisidores, prejudicados nas suas rendas, queixaram-se ao papa. Este mandou um breve mantendo o confisco e excomungando quem se opusesse à execução do diploma pontifício.
Tormento do Potro
O rei neste caso não se desconcertou: - Perguntou para quem reverteriam as confiscações. Responderam-lhe que eram a favor do rei. Então D. João IV replicou: - Consinto em que confisqueis – para mostrar o profundo respeito que consagro ao papa – e mediante inventário exacto dos bens. Mas como posso dispor do que é meu, declaro que faço desde já doação dos bens aos acusados e suas famílias, devendo ser-lhes restituídos, qualquer que seja a pena…
E durante este reinado salvaram-se os bens dos desgraçados, porque os inquisidores, receosos de se atraiçoarem, não insistiram… Mas guardaram-na… Mal o rei morreu, declararam que ele “tinha iludido por um subterfúgio as vontades de Sua Santidade e contrariado as suas ordens”. Estava pois incurso – segundo eles – na excomunhão imposta no breve do papa contra os que obstassem à sua execução. D. João IV morrera, portanto, sob o estigma da condenação eterna; e só depois de absolvido pela Inquisição podia continuar na sepultura. No dia das exéquias solenes, os inquisidores partiram desde o palácio do inquisidor-geral, em procissão, e revestidos. Acompanhava-os uma multidão imensa. Dentro da igreja, na presença da rainha viúva e de seus dois filhos D. Afonso e D. Pedro, mandam os esbirros apear da Eça o caixão, abrem-no, tiram o cadáver, despojam-no das mortalhas e estendem-no no chão. Lêem a sentença que o declara excomungado, proclamam-no inimigo da Igreja e depois… pronunciam a absolvição!
Só depois de terem assim concedido à alma do rei licença para se apresentar diante de Deus, mandaram seguir o cadáver no caixão e continuarem os funerais.