30/06/2010

A INQUISIÇÃO PORTUGUESA: OS LAÇOS

Os laços – ou presos novamente ou novamente perante os inquisidores, estes, então, exortavam-no a que confessasse o crime mas não lhe diziam qual era o crime! Em geral, quase sempre, o acusado negava culpa em qualquer crime. E, então, remetiam-no ao cárcere e diziam-lhe que ainda lhe concediam tempo para pensar na sua culpa e…”recordar a memória”. Decorrido muito tempo…chamavam-no e faziam-no jurar sobre um crucifixo e sobre os Santos Evangelhos, que havia de responde só com a verdade a tudo que lhe perguntasse. Se recusasse o juramento, era imediatamente condenado, porque se denunciava contrário à religião católica ou que receava cair em falsidade e por isso era culpado do crime que lhe atribuíam. Mas o acusado, por via de regra jurava. E, tomando o juramento, interrogavam-no sobre a sua vida e a dos seus antepassados, para saberem se algum deles tinha sido condenado pela Inquisição.
Continuavam a manter silêncio sobre o crime que imputavam ao preso; e todos os seus interrogatórios, exortações, promessas, tinham por objectivo obter uma palavra, um gesto de onde pudessem tirar meio de o condenar… Chegavam a prometer o perdão, como já vimos, se confessassem espontaneamente o seu crime, mostrando-se sinceramente arrependidos. Se confessavam, ou se cometiam alguma indiscrição, fiados na sinceridade dos juízes, estavam perdidos!

Quando o acusado ladeava o laço que os inquisidores lhe armavam, persistindo na negativa, ou por habilidade ou por inocência, os inquisidores entregavam-lhe então a acusação por escrito.

Era um novo laço: iam ali muitos crimes dos mais graves, mas falsos, misturados com aqueles de que ele era realmente acusado.
Como o preso se insurgia necessariamente contra os maiores crimes que lhe eram imputados, tiravam os inquisidores, desse facto, motivo para concluir que aqueles contra os quais ele se revoltava menos eram verdadeiros!
A Inquisição dava sempre um advogado ao réu; mas isso era uma mentira revoltante! O advogado não podia aconselhar o acusado, e só podia conferenciar com ele em presença do notário e dos inquisidores. Além disso, o réu nunca sabia quem eram os seus acusadores nem as testemunhas. Os delatores apareciam sempre como testemunhas. Parte contrária era a própria Inquisição na pessoa do seu procurador-fiscal.
Passados alguns dias sobre a entrega ao réu da cópia do auto de acusação, mandavam-no apresentar-se perante os juízes com o advogado. Este, porém, não podia falar senão sobre o que fosse indicado pelos inquisidores. De maneira que o papel do advogado consistia sempre em insistir com o réu para que confessasse o crime de que era acusado e de que muitíssimas vezes até estava inocente.
Continuavam a interrogar. Se o réu persistia em negar, tornavam a metê-lo no cárcere. Às vezes, da prisão para a audiência, do tribunal para o cárcere, andava um réu anos e anos!!! Depois mostravam-lhe os depoimentos das testemunhas, mas não se lhes dizia quem elas eram – e dizia-se-lhes que constatassem, dando as suas reprovas e respostas.
Calcule-se que momentos infernais cruciariam estes desgraçados, sabendo eles em que terrorismo se arrastava a vida, e que um filho podia ser testemunha contra seu pai, um pai contra seu filho, o marido contra sua mulher, e vice-versa!...
Se as reprovas e respostas não satisfaziam e o crime não estava suficientemente provado, era o réu condenado a…torturas!
Não deixe ler o exposto no artigo que se segue, os 4 graus de tortura.


11/06/2010

A INQUISIÇÃO EM PORTUGAL: OS GRAUS DE TORTURA

TORTURAS – Para isso, o réu era levado à CASA DOS TORMENTOS – uma casamata ou gruta subterrânea, onde se chegava depois de mil rodeios, a fim de se não ouvir os gritos dos torturados. Ali só os inquisidores tinham onde se sentar; luz apenas a bastante para o padecente ver os instrumentos da tortura. Uma ou mais verdugos, conforme as necessidades, vestidos como os penitenciários, com uma samarra preta, a cabeça toda coberta com uma espécie de capuz também preto e com buracos nos sítios correspondentes aos olhos, nariz e boca, quando entrava o padecente, agarravam-no desnudavam-no. (a 1ª foto, estandarte da inquisição)
Antes de se lhe aplicar a tortura, os inquisidores exortavam-no a que confessasse toda a verdade. Se persistia em negar o crime, sujeitavam-no a que confessasse toda a verdade. Se persistia em negar o crime, sujeitavam-no então à tortura a que tinha sido condenado, e que às vezes era de tal violência, que era preciso chamar o médico da Inquisição (da Inquisição!) para ver se o réu podia suportar o tormento por mais tempo, sem morrer!
A tortura ou tormento dado ordinariamente aos réus do Santo Ofício era o da polé. Mas, conforme ordenava o Regimento da Inquisição, sempre que não pudesse ser aplacada por fraqueza e indisposição do réu, ouvido o parecer dos médicos e cirúrgicos, ser-lhe-ia aplicado o do potro.
A tortura da polé consistia em atar com uma corda os braços do padecente voltados para trás e prende-los ao calabre de uma roldana. (2º desenho, o 1º grau de tortura) Depois: 1º, começar a levantar, que era até ao primeiro sobrado; 2º, levantar até ao lugar do libelo, que era até ao segundo sobrado; 3º, levantar até à roldana, que era ao alto e vir descendo à mão, mansamente; 4º, trato corrido, que era depois de chegar ao alto, vir descendo com pressa, sem largar; 5º, rato corrido e começado a levantar; 6º, trato corrido e levantado até ao libelo; 7º, trato corrido e levantado até à roldana; 8º, trato esperto, que era, depois de chegar ao alto, deixá-lo cair até meio pé da terra; 9º, trato esperto e levantado até o libelo; 10º, trato esperto e corrido; 11º, dois tratos espertos; 12º, dois tratos espertos e levantados até o libelo; 13º, dois tratos espertos e um corrido; 14º, três tratos espertos; 15º, todo o tormento!
Tormento do potro:
1º - Depois de despido o réu, era deitado no potro, pondo-se-lhe a coleira ao pescoço. (3ª desenho, 2º grau de tortura)
2º - Atava-se o réu em quatro partes, uma corda em cada braço e outra em cada perna, fazendo-lhe o protesto logo.
3º - Atava-se em oito partes, uma por baixo e outra por cima do cotovelo e uma por baixo e outra por cima de cada joelho.
4º - Metiam-se os arrochos em quatro partes.
5º - Metiam-se os arrochos em oito partes e desta sorte estava preparado para se lhe voltarem.
6º - Começava-se a apertar os arrochos em quatro partes.
7º - Começava-se a apertar os arrochos em todas as oito partes.
8º - Um quarto de volta nas quatro partes.
9º - Um quarto de volta em todas as oito partes.
10º - Meia volta em quatro partes.
11º - Idem e nas outras quatro, depois de um quarto, começar a apertar mais nelas. (4º desenho, 3º grau tortura)
12º - Meia volta em oito partes.
13º - Uma volta inteira em oito partes.
14ª - Volta inteira e mais um quarto de volta em todas as oito partes.
15º - Volta e meia em todas as oito partes.
16º - Duas voltas inteiras em todas as oito partes.
17º - Duas voltas inteiras e um quarto em toda as partes.
18º - Duas voltas e meia em todas as partes.
19º - Três voltas inteiras em todas as oito partes.
20º - Tudo quanto se puder apertar em todas as oito partes.
O Sr. Dr. António Baião, na sua obra – Episódios Dramáticos da Inquisição Portuguesa – apresenta este caso típico sucedido com o cristão-novo António Soares:
“…E logo na casa e lugar do tormento estando entre os senhores inquisidores e sendo o réu presente lhe foi dado juramento dos Santos Evangelhos em que pôs a mão sob cargo dele lhe foi mandado que dissesse a verdade e lhe foi dito que pelo lugar em que estava e instrumentos que nele via poderia entender qual era a diligência que com ele réu estava mandado fazer pelo que para a poder escusar o tornam admoestar com muita (o 4º grau de tortura) caridade da parte de Cristo N. S. queira confessar suas culpas para com isso alcançar a misericórdia que nesta mesa se dá aos bons e verdadeiros confidentes e por o réu dizer que não tinha culpas que confessar foram chamados os ministros e o réu despojado de seus vestidos e sentado no banquinho, pelos senhores inquisidores foi protestado que se ele réu no dito tormento morresse, quebrasse algum membro ou perdesse algum sentido, a culpa fosse dele réu e não deles senhores inquisidores, ordinário, deputados e mais oficiais e ministros do Santo Ofício, pois com tanto atrevimento se punha a tão grande perigo a saúde de sua vida.
E por os médicos e cirurgiões dizerem vendo e apalpando pelas costas ao réu que se queixava de dor numa espádua direita de doença que tivera de anos a esta parte, e vendo que havia nela alguma lesão disseram que convinha dar-se-lhe tormento no potro onde logo foi posto e lhe puseram os cordéis em todas as partes onde de novo lhe foi feito o protesto pelo senhor inquisidor na forma acima dita e o admoestou de novo com muita caridade e por dizer que não tinha culpas que confessar lhe foram dando a primeira volta com todas as ditas oito partes e o senhor inquisidor o foi admoestando: que não tinha que confessar, que era cristão, repetindo estas palavras e dizendo quando o admoestavam mas que morra, que era cristão, que sobre os senhores inquisidores havia de ficar, que não fizera tal coisa, e sendo admoestado com caridade que confessasse, disse que não queria confessar, que o matassem e caindo no que tinha dito que não queria confessar tornou a dizer que não tinha culpas que confessar e tornou outra vez a dizer que não tinha que confessar e lhe deram segunda volta em todos os cordéis e sendo admoestado não disse palavra mais que dar ais, misericórdia de Deus me favoreça pois me não crêem, ela me socorra, Jesus seja com a minha alma, estou acabado, dizendo estas palavras em tom como que cantava e sendo outra vez admoestado respondeu:
- Não me digam nada que hei-de morrer pela fé de Cristo e logo lhe foram dando a terceira volta em toda as oito partes e ele dizendo Misericórdia de Deus me valha, não tenho que confessar, sou cristão, não me digam nada e logo lhe foram dando quarta volta e o foram admoestando com muita caridade sem ele falar palavra, nem dar um ai, só que se calassem que era cristão e logo lhe foram dando cinco voltas e o tornou o senhor inquisidor a admoestar com muita caridade da parte de Cristo que confessasse respondeu:
- Sou cristão, não me digam nada e se lhe deu sexta volta e sétima volta sem responder coisa nenhuma, sendo os cordéis grossos quebraram alguns e foi dito pelos médicos e cirurgiões que se tinham dado tratos muitos espertos e que até os cordéis delgados quebravam e sendo admoestado com caridade que pedisse tempo para cuidar das culpas respondeu que não tinha que confessar, que era bom cristão mas que o matassem e que lhe não dissessem mais palavra.
- Querem que diga mentira não o hei-de fazer.
E por dizerem os cirurgiões e médicos que tinha levado todo o tormento que devia levar e estar satisfeito do assento mandou o senhor inquisidor o desatassem (esta é uma folha do livro dos Evangelhos existente na Torre do Tombo) e o levassem a seu cárcere de que fiz este termo que ele senhor inquisidor assinou e eu, notário, António Monteiro, o escrevi.
Diogo Osório de Castro – António Monteiro – Luís Álvares da Rocha.”