03/09/2010

A INQUISIÇÃO EM PORTUGAL: A HIPOCRISIA!

D. Pedro II
Tendo o Santo Ofício ficado impune, depois de tamanha audácia, redobrou de zelo para Céus, amiudando-se as cenas de sangue e as fogueiras. E o que é certo é que o terror inspirado pelo terrível tribunal foi até embrutecer o povo e lhe anestesiar a sensibilidade moral, o sentimento de ingénita bondade e até de misericórdia! Foram tão perseguidos com torturas e suplícios os cristãos-novos e habituou-se tanto o povo ao espectáculo do tormento, que nem já parecia que tinha coração; pois nenhuma piedade se revelava nele por esses desgraçados. Fosse qual fosse o crime cometido em Portugal, era invariavelmente, e sem discussão, atribuído aos cristãos-novos. Os próprios magistrados, já por hábito se mantinham no mesmo juízo fácil; e já nem as leis valiam perante a vontade dos inquisidores dominando no íntimo da multidão na consciência dos juízes.
Em 1672, os ladrões assaltaram uma igreja de Lisboa, arrombaram o sacrário, levaram os vasos sagrados e deixaram as hóstias espalhadas pelo chão da igreja. Foram logo acusados os cristãos-novos; e ninguém duvidou. Os juízes da Relação de Lisboa fizeram-se reflexo da voz do povo e confirmaram. Fazem-se buscas domiciliárias, inquéritos, interrogatórios, e todas as prisões são poucas para conter a multidão de indivíduos presos. Contudo, nada se esclarece, a verdade não brilha, não se determinam os culpados. Mas não se procura outra pista. Os juízes, pervertidos na sanha da perseguição dos cristãos-novos, nem de longe supõem que possam ser outros os autores. O povo, enfurecido, por não se encontrarem os culpados, punha em risco a vida dos que ainda só tinham sido presos e ameaçava arrombar as prisões para exercer violências sobre os presos que ele supunha protegidos pelos juízes!...
AUTO-DE-FÉ EM GOA
O governo assustou-se e lançou logo a ideia da expulsão de todos os cristãos-novos, para acalmar as iras populares.
De súbito, fazendo também sobre toda a gente a maior das surpresas, um verdadeiro espanto, a Inquisição que, durante mais de um século, friamente, com pautada perversidade imolava cristãos-novos a Deus Nosso Senhor, surgiu, compadecida! A fazer oposição ao extermínio anunciado! Ela, que tomara lançá-los todos no mesmo dia à fogueira, vinha, solicitamente, ter mão no golpe que outros se aprestavam para lhes verberar. E lá pôs diante da turba ignorante e desmoralizada, e das autoridades pervertidas, o interesse de Deus! Hipócritas!...
“Mandar para longes terras estranhas aquela pobre gente, ainda tão fraca na sua fé… Assim longe dos ministros do Senhor, que a sabem dirigir pelo caminho da salvação abandonariam logo a religião! – A sua expulsão nesta hora seria um desastre perigoso…um sacrilégio!” – gemiam eles.
Suprema hipocrisia!
O que os inquisidores não queriam era que a sua autoridade ficasse diminuída com a violenta providência anunciada pelo governo! O que eles não queriam era que lhes fugissem das mãos esses desgraçados, porque perdiam com eles a carne para queimar e um poderoso meio de satisfazerem a sua insaciável cobiça!
Vestígios das escolas gerais, em Lisboa, que serviram de
recolhimento para penitenciária dos condenados pela
Inquisição
Entretanto, é preso um salteador quando assaltava uma casa de campo para a roubar. Encontrava-se-lhe ao peito uma cruz de um dos vasos sagrados, roubados em Lisboa meses antes. Verifica-se ter sido ele o único autor do roubo. É um cristão-velho… São postos imediatamente em liberdade todos os cristãos-novos (judeus supostamente convertidos ao cristianismo) presos inocentes… O povo, que tanto se tinha enfurecido antes, até os olhou com benevolência, e arrependimento de ter tido juízo tão grave e tão fácil.
Pois os inquisidores, que tanta piedade aparentaram quando o povo os perseguia, quando os magistrados os prendiam e o governo pensou em expulsá-los, mal a opinião reconsiderou, em face da descoberta do criminoso, e se declarou favorável aos infelizes injustamente tão maltratados, erguem-se agora como víboras, da toca de onde tinham babujado a sua falsa piedade, fazem prender de novo os que a justiça reconhecera inocentes, afirma e espalham que só eles eram juízes competentes em semelhante matéria e fazem público que a descoberta do criminoso tinha sido uma invenção, um subterfúgio, para encobrirem e salvarem os verdadeiros criminosos.
Ninguém se opôs! D. Pedro II – rei da época, tinha tido coragem para roubar o reino e a mulher ao irmão!... Neste caso…quebraram-se-lhe os ânimos!... Redobraram as torturas e acenderam-se as fogueiras.
Triunfo absoluto!