18/11/2010

A INQUISIÇÃO EM ESPANHA.

Frei Tomas de Torquemada - o carrasco
de Espanha. Nasceu em Valladolid
1420-1498
Em Espanha a Igreja de Roma encontrou campo bem aberto e largo, para o estabelecimento das suas tendas infernais; onde ela deparou com fartura de carne humana, para regalo das sua atrocidades, e onde viu luzir tesouro inexaurível da sua cobiça e das suas ambições insaciáveis, foi na Espanha.
É verdade que a Inquisição trazida para Espanha pelos primeiros inquisidores – os flagelos do Linguadoque e da Provença – e estabelecida no reino de Aragão, não pôde manter-se os inquisidores, confiados talvez em que todos os outros estados iam aderir sem discussão, não estiveram com meias medidas: logo aos primeiros passos, a sua conduta foi tal, que, aliada à recordação de todos os furores eclesiásticos no Linguadoque (artigo que apresentaremos), deu como consequência a sublevação geral contra eles. Foi Castela e Toledo, Andaluzia, Salamanca, Samora e Astúrias… E até o próprio Aragão acorda e se revolta. O povo riu-se das suas sentenças, arrombou as portas das prisões e deu liberdade às vítimas da Inquisição. Não foram os inquisidores de todo expulsos. Sucedeu, porém, como se o tivessem sido!... Mas…
Em 1420, nascia, em Valhadolid, Tomás Torquemada. Viajando, ainda muito novo, apaixonou-se em Córdova por uma mulher. Não soube ou não pôde prendê-la; e um mouro, preferido por ela, levou-a para Granada!... Germina, então, e radica-se no coração de Torquemada o ódio de toda a sua vida contra os Mouros. Vai dali a Saragoça, onde frequenta os estudos de Teologia e, pelo braço de um padre que o admirava, entrou no Convento dos domínicos. Aprende, rebuscando nos arquivos, a conhecer a autoridade que desfrutaram os inquisidores. O ódio, a ambição, o desejo de vingança, projectando-lhe, bem definido e avultado, um pensamento que precisa de corresponder a uma realidade – o restabelecimento da Inquisição.
Fernando V de Espanha
(Museu de Madrid.)
Era no entanto, preciso unificar a Espanha sob uma só vontade…E Torquemada pressente a possibilidade de reunir Aragão com Leão e Castela…
Veste o hábito de S. Domingos e vai para Toledo pregar.
Faz-se cortesão, esmoler de Isabel, e seu confessor, por último. Imperou-lhe no pensamento e no coração; inoculou-lhe a arma da dissimulação e a ideia de grandeza que lhe havia de vir, um dia, da sua união com o príncipe herdeiro de Aragão. E Isabel amou o príncipe… No confessionário instruiu-a, o domínico, de todos os princípios de governo e da política que lhe convinha. Depois, prepara-a para a primeira comunhão; traça-lhe o Céu de felicidades, dado por Deus aos príncipes que persistem na fé e pinta-lhe as desgraças que os acompanham quando se apartam da religião católica… Vêm a propósito as heresias…. As medidas rigorosas que o vigários de Jesus Cristo se têm visto forçados a usar para as expulsar do coração do homem. E ouve, enfim, à princesa o juramento de que, quando fosse rainha, havia de restabelecer a Inquisição!
Isabel a Católica (Museu de Madrid.)
O “quemadero” – a rainha facilmente convenceu o rei, e os dois católicos entram na faina da sua santidade! Em fins de 1481, só em Sevilha tinham sido queimadas cerca de trezentas pessoas e condenadas a cárcere perpétuo oitenta. No resto da província e no bispado de Cádis, foram à fogueira, nesse ano, 2. 000, e 17. 000 condenados a diversas penas.
“Para maior facilidade das execuções – escreve Alexandre Herculano – levantou-se em Sevilha um cadafalso de cantaria onde os judeus e os cristãos-novos eram metidos, lançando-lhes depois o fogo. Este monumento que ainda existia nos princípios do século XIX, era conhecido pela expressiva denominação de Quemadero.
O terror obrigou milhares de famílias a fugir de Espanha. Queixaram-se ao papa. Sisto IV mandou chamar à reconciliação aqueles que a pedissem, ainda que condenados aos suplício das chamas. Assim o disse numa bula de 2 de Agosto de 1483… Onze dias depois, revogou-a! Alguns cristãos-novos que voltaram de Roma, depois de pago e bem pago o favor do papa, e chegaram a Sevilha confiados na promessa, como estava revogada a bula, foram queimados e os seus bens confiscados! Santa Inquisição…
Por fim, é Torquemada erguido à maior altura do seu sonho. É feito cardeal e o primeiro inquisidor-geral em toda a Espanha. Tem sob as suas ordens quarenta e cinco inquisidores-gerais. “A Inquisição é uma instituição política e permanente, com autoridade soberana, absoluta, independente dos bispos.”
Em catorze anos, este Torquemada, que deu ao tribunal da Inquisição espanhola a forma jurídica oposta a todas as leis humanas, instaurou processo a cerca de oitenta mil, realizando-se as execuções entre cerimónias e festas religiosas de inconcebível pompa! A certa altura, os Judeus afligem-no de mais. Não o satisfaz a conversão forçada e a tortura e o fogo. Quer ver-se, de vez, inteiramente livre da raça maldita, por ter religião diferente da de Roma. É preciso correr de toda a Espanha os Judeus!
Torquemada atirando o crucifixo
a Fernando e Isabel - Aguarela
de Morais na "História de Portugal"
de Pinheiro Chagas.
Os pobres Hebreus, aterrados com as notícias em curso, de que seriam expulsos e sabendo de quanto D. Fernando é amigo de dinheiro, cotizam-se e oferecem aos reis trinta mil ducados, números redondos, para que os deixassem em paz. Além do dinheiro, prometiam sujeitar-se às obrigações civis que lhes eram impostas, habitar em bairros separados, recolher antes do anoitecer e abster-se do exercício de profissões só próprias de cristãos. Era tal o amor à terra que preferiam os flagelos do Santo Ofício!
Fernando e Isabel, comovidos, pensaram um instante em tolerar no reino os Judeus. Mas, de súbito, Torquemada, entrando junto dos soberanos e atirando-lhes para cima de uma mesa com um crucifixo, disse-lhes: “Judas vendeu Cristo por trinta dinheiros. Vossas Altezas querem vendê-Lo por trinta mil ducados; aí o têm, realizem o mercado.” Os reis ficaram aterrados e assinaram em 31 de Março de 1492 a sentença de exílio. Os Judeus tinham de abandonar a Espanha dentro de quatro meses.
Os Espanhóis tinham degolado na América povos e reis, em homenagem ao seu Deus, conforme se dizia. Na sua própria pátria encontraram as fogueiras prontas a devorá-los, em nome do mesmo Deus…
E só porque Torquemada, o inquisidor feroz, quisera ser cardeal e exercer um poder independente e superior aos grandes e anos reis, e porque queria vingar-se do mouro de Córdova em todos os Mouros e Judeus; e só porque Ximenes, o primeiro-ministro, queria ter à sua ordem uma instituição fatal a todos os seus inimigos e que fosse o baluarte que o mantivesse nas honras a que se tinha erguido; só para servir as ambições, os ódios e as vinganças de um frade dominicano e de outra franciscano – Torquemada e Ximenes – os Reis Católicos, estabelecendo a Inquisição, inundaram a Europa de sangue…!

Contexto:No século XV a Espanha não era um estado unificado, mas sim uma confederação de monarquias, cada qual com seu administrador, como os Reinos de Aragão e Castela, governados por Fernando e Isabel, respectivamente. No Reino de Aragão (na verdade, uma confederação de Aragão, Ilhas Baleares, Catalunha e Valência) havia uma Inquisição local desde a Idade Média, tal como em outros países da Europa, porém ainda não havia Inquisição no Reino de Castela e Leão.
A maior parte da Península Ibérica estava sob o governo dos mouros, e as regiões do sul, particularmente Granada, estavam muito povoadas de muçulmanos. Até 1492, Granada ainda estava sob o controle mouro. As cidades mais importantes, como Sevilha, Valladolid e Barcelona (capital do Reino de Aragão), tinham grandes populações de judeus em guetos.
Havia uma longa tradição de trabalhos de judeus no Reino de Aragão. O pai de Fernando, João II de Aragão, indicou Abiathar Crescas, um judeu, como astrólogo da corte. Muitos judeus ocupavam postos de importância, tanto religiosos como políticos.
O aragonês Fernando não pensava usar a religião como meio de controlar o seu povo, mas sim desejava as religiões judia e muçulmana fora de seus domínios, e a inquisição foi o meio que usou para atingi-lo. Muitos historiadores crêem que a Inquisição foi o método usado por Fernando para enfraquecer os seus opositores principais no reino. Possivelmente havia também uma motivação económica: muitos financistas judeus forneceram o dinheiro que Fernando usou para casar com a rainha de Castela, e vários desses débitos seriam extintos se o financiador fosse condenado. O inquisidor instalado na Catedral de Saragoça por Fernando foi assassinado por cristãos novos.
O papa não desejava a inquisição instalada na Espanha, porém Fernando insistiu. Ele persuadiu a Rodrigo Borgia, então bispo de Valência, a fazer lobby (exercer influência através de um grupo de pressão) em Roma junto ao papa Sixto IV. Borgia teve êxito com a instalação da Inquisição em Castela. Mais tarde, Borgia teve apoio espanhol ao seu papado ao suceder Sixto IV, com o título de papa Alexandre VI.
Sixto IV era papa quando a Inquisição foi instalada em Sevilha no ano 1478. Ele foi contra, devido aos abusos, porém foi forçado a concordar quando Fernando ameaçou negar apoio militar à Santa Sé. Fernando obteve assim o que desejava: controlar sozinho a Inquisição espanhola, mas com a bênção do papa.

10/11/2010

A INQUISIÇÃO PORTUGUESA: OS JUDEUS EM PORTUGAL

Os reis de Espanha no dia 31 de Março de 1492, assinaram a sentença de exílio dos Judeus, estes tinham que abandonar a Espanha dentro de quatro meses.
Pensaram, então, em ir para onde tivessem mais probabilidades de ser bem recebidos. Pediram ao rei de Portugal. Felizmente, em Portugal, ainda nessa hora as famílias de raça hebraica estavam no sossego de Deus. D. João II, não deu ouvidos a quem lhe antepunha argumentos contrários à imploração dos Judeus de Espanha, e aceito-os. Fez bem. D. João II, nesse gesto, foi tão grande, quanto foram infinitamente pequenos os reis que lhe sucederam.
Havia um prazo, durante o qual os foragidos do reino vizinho haviam de arranjar meio de se passarem daqui para onde devessem fixar residência definitiva. É verdade que o rei pedia preço pela hospedagem: oito cruzados por cabeça – à excepção dos ferreiros, latoeiros, malheiros e armeiros, pois que estes, vistos os seus serviços interessarem directamente ao Estado, pagariam apenas quatro cruzados por cabeça. Mas o rei foi magnânimo!
Vieram de Espanha vinte mil casais judeus… Depois uns foram para o Norte de África morrer à fome e sob a perseguição selvagem desses povos que, fiados na fama de que todos os Judeus eram ricos, os matavam para lhes procurar o ouro nas entranhas, já que lho não encontravam nos farrapos que vestiam…; outros foram parar à ilha de São Tomé, onde morriam, dizimados pela tormenta do clima e pelos crocodilos que por lá abundavam nesse tempo, conforme testemunham alguns historiadores. Outros seguiram melhores destinos, encarreirados por melhor sorte… Os que não embarcaram, ficaram cativos.
Trabalhavam de graça, mas estavam sossegados na nossa linda terra…
Sossegados! Como se pudesse ter sossego o judeu ou quem ousasse pensar contra a doutrina da Igreja Romana! Talvez tivesse sido melhor para eles afrontar outros perigos… longe de Portugal!
Quando D. João II foi, enfim, a ver o que já há muito não via, e que era o príncipe seu filho… morto no catre de um pescador da ribeira… o príncipe D. Afonso que:

Era de dezassete anos
E casado de oito meses
Perfeito entre os mundanos,
Mui quisto dos Castelhanos,
Descanso dos portugueses,

Como canta Garcia de Resende, sucedeu-lhe D. Manuel, duque de Beja, irmão da rainha viúva. Foi aclamado em Alcácer, com vinte e seis anos, recebendo do cunhado o Reino cheio de prosperidades…
Mas começou logo o Venturoso por despeitar as últimas vontades do rei morto e de tal jeito, que abriu as portas do Reino a quantos eram acusados de conspirar contra D. João II. Àqueles que D. João julgou dever castigar deu-lhes D. Manuel a reabilitação. Parece que o fazia de propósito deliberado. Parece que era ingrato pelo prazer de o ser, o rei! … E pôs inteiramente de banda a política de D. João II, o pobre rei Venturoso! Tanto, que se empertigou logo, em predomínios, a nobreza…
D. Manuel gostava muito da filha dos reis de Castela e Aragão, a princesa Isabel, que era de há pouco viúva do príncipe D. Afonso. Ela amara com primeiro amor o príncipe morto e muito longe da ideia de tornar a casar, lhe andava o coração e o pensamento! D. Manuel, porém, tinha pressa dela e vaidade de a ter. Mandou um primo, D. Álvaro, a Castela, pedir a sua mão. Os pais, que muito interessados estavam nesse casamento, para servirem a causa santa de Roma, tanto teimaram, que ela, afinal, cedeu. Cedeu com uma condição…D. Manuel quando a pediu, indo ao encontro dos desejos dos Reis Católicos, mandou sair do reino todos os Judeus não convertidos, no prazo de dez meses, sob pena última e confisco de todos os bens, no caso de desobediência, em benefício do delator.
A noiva completava a obra. A princesa Isabel mandou estipular expressamente, no contrato de casamento, assinado em Agosto de 1497, a expulsão dentro de um mês de todos os indivíduos de raça hebraica, que, condenados pela Inquisição, tinham vindo buscar refúgio em Portugal. Só depois de verificado este facto, D. Isabel se tinha por obrigada à celebração do enlace matrimonial!
Ódio do coração aos Judeus? Desejo de servir a política paterna? Não se pode definir com inteira justeza a razão íntima que dominava a alma de D. Isabel quando lançou essa exigência.
O que talvez possa afirmar-se, é que o rei fez todo o mal que fez, nesse momento, por amor dela.
A verdade, porém, ergueu-se logo, indefectível, nas imagens cruas da realidade. Viu-se, imediatamente, o erro do golpe. Os Judeus não acudiram à conversão, com medo do exílio. Os Judeus não renegaram a sua crença. Os Judeus iam-se embora… E como nas suas mãos estava a riqueza monetária do País e em grande parte o comércio e a indústria…indo-se eles embora, perdia Portugal uma riqueza enorme.
Alarmou a todos a resolução dos Judeus! O rei reuniu conselho em Estremoz e declarou… ter resolvido obrigar os Judeus ao baptismo.
Foi dali para Évora e mandou de lá as suas ordens: a todos os Judeus que preferiam o desterro ao baptismo fossem tirados os filhos de menos de catorze anos. Antes de aparecerem os oficiais régios, antes mesmo de publicadas as instruções do rei, a noticia correra como ave sinistra por toda a parte! Que horroroso desespero!
As mães resistem até à loucura, em face de tamanha violência e de tão feroz desumanidade! E num delírio fantástico d dores, enfurecidas, fazem os filhos em pedaços, estrangulam-nos, atiram com eles ao fundo dos poços, mas não os entregam aos esbirros do rei que estava servindo os interesses e os ódios de Roma, através dos desejos dos Reis Católicos e da filha, sua noiva.
Começa-se a falar sem rebuços na necessidade, para Portugal, da Inquisição à maneira espanhola.