31/01/2011

A INQUISIÇÃO EM FRANÇA

As vestes dos condenados.
O Polvo Estende os Braços - Estava, pois, erguida, em desafio ao mundo, a Inquisição na Itália, sob os carinhosos auspícios e o cuidadoso regulamento do Cardeal Sinibaldo – o pontífice Inocêncio IV. O tribunal seria sustentado à custa do confisco e das multas. Inquisidores seria os Dominicanos. Ao principio, tudo se revolta contra o monstro. Mas a Igreja de tal sorte o ajeita, que acaba por se firmar a Inquisição nas terras italianas. Eia, pois, a estender o “divino”remédio de salvação das almas, até ao resto da Europa. E voltou então a Igreja os olhos para a Alemanha. Foi pouco duradoura a ilusão romana. Logo tiveram os inquisidores de renunciar á esperança de manter ali a sua
miserável instituição. Forma corridos de todo o território germânico.
Na Alemanha, eram suficientemente conhecidos os procedimentos dos inquisidores na Itália, “a injustiça das suas sentenças, a barbaridade e as suas extorsões”. Previram dificuldades os papas; mas de nada lhes valeu a manhosa recomendação para que fossem os inquisidores moderados nas investigações e nos interrogatórios, para que se apresentassem como anjos de conciliação e de paz… De nada lhes valeu a máscara. Foram vergonhosamente expulsos.
Na Inglaterra também não houve meio de pegar o ofício santo!
E na França?
Era ali; era na França que a Igreja iria procurar compensar-se da estrondosa repulsa que o seu negro tribunal obtivera na Alemanha. No Sul – em Albi, em Tolosa e noutras cidades – depois da mortandade espantosa, feita sobre os Albigenses, os tais inquisidores-da-fé, os pregadores, os Dominicanos, os seráficos irmãos de S. Domingos – feito em Roma “primeiro inquisidor-geral” – ficaram por ali… por sua própria conta… a escandalizar os povos com excessos e barbaridades. E se a crueldade usada com os Albigenses “não era inspirada pelo Espírito de Jesus Cristo” – segundo escreve, cheio de horror, o abade Nonothe – e mais essa crueldade era assoprada pelas prédicas dos Domínicos, com ordem de Sua Santidade – pretenso representante de Deus – qual seria o espírito que inspirava os barbarismos dos “pregadores” que por lá ficaram a inquiri e a julgar, por seu libérrimo arbítrio!?
Com satisfação viu o papa já inquisidores de facto no Sul da França. Estava o terreno desbravado. Era fácil a sementeira da fé… Entrara o tribunal de direito, sem mesmo se dar por isso. Assim se fez. Os inquisidores de Roma assolam a França pelo Sul. Mas… o regime feudal caminha direito à ruína; e quer esta circunstância, quer o espírito de oposição à Igreja de Roma, provocado nas simpatias da Igreja anglicana, quer as ideias que irradiavam das universidades – tornavam a opinião francesa adversa à Inquisição, levando os espíritos para princípios opostos aos dela. Além disso, o carácter francês – o carácter nacional – com a sua lealdade e magnanimidade – repelia uma instituição baseada na baixeza da espionagem e na infâmia das delações.
Dia de são Bartolomeu em França.
“O sentimento de uma liberdade nobre e generosa, inata nos Franceses”, fez com que a Inquisição também ali não criasse raízes. Entregues à irrisão pública, ou vítimas de sedições – nas quais os inquisidores pagavam com a vida as atrocidades dos seus actos – foram expulsos, vendo-se a corte de Roma forçada a verificar que tinha de desistir do intento de sujeitar a França ao domínio do Santo Ofício. E, apesar do fanatismo que imperou nas duas facções depois em luta – Papistas e Huguenotes – apesar dos esforços que então foram tentados, para as restabelecer, junto do pobre rei Francisco II, a Inquisição não foi restabelecida. Houve um homem que salvou a França dessa vergonha; foi Miguel do Hospital.
INFELIZMENTE, porém, se a França não tolerou por muito tempo a Inquisição e, nem de facto nem de direito, o tribunal de Roma logrou mais restabelecer-se ali, depois de expulso, não é menos certo que se sentiu várias vezes o espírito dos inquisidores.
O estupro.
Urbano Grandier foi condenado a serem-lhe quebrados os ossos até aos tutanos… e depois… à fogueira. O tribunal não era da Inquisição, mas tinha lá o mesmo espírito de perversidade, de ignorância, de superstição… Pela cobiça que as riquezas dos Templários despertaram num papa e num rei, era preciso perdê-lo. Para isso, era necessário acusá-los de algum crime e fazer com que a acusação fosse acreditada.
Luís XIV, ordem para
matar homens, mulheres,
crianças e velhos.
Encontra-se a alma vil de delator… E aqueles cavaleiros, sempre nobremente e valorosamente devotados à Pátria e à religião, foram acusados de heresia (!). Eles que arriscavam a vida nos combates em defesa de Cristo e enchiam os altares de presentes que eram verdadeiros tesouros, foram dados como profanadores e sacrílegos! Em 1311 foram queimados 57, tendo tido muitos outros a mesma sorte em 1314.
Mas há mais. A França, além do que acabámos de expor, teve momentos horríveis: Francisco I nunca se cansou de perseguir as vítimas da cólera da Igreja. Como verdadeiro mandatário do papa, bastou que alguns cidadãos fossem acusados de ter falado irreverentemente do chamado “Santíssimo Sacramento”, para que logo os condenasse a morrer queimados na fogueira, presos a uma cadeira que se fazia descer sobre um braseiro ardente e se elevava por meio de um básculo, para lhes prolongar a agonia.
No reinado de Carlos IX, foi também a França devastada pelas guerras dos católicos e dos protestantes…
Razão teve Napoleão para censurar o grande erro de Francisco I por não ter aberto a França à Reforma!...
Carlos IX perseguiu os protestantes até aos extremos mais horrorosos. E precisamente no momento em que toda a gente supunha que começava uma era de paz, pelo casamento da irmã do rei com o príncipe protestante, Henrique IV de Navarra, surge a Saint-Barthélemy – 24 de Agosto de 1572 – dando Carlos IX ordem para que os protestantes fossem massacrados em toda a França ao mesmo tempo. Era de tal cueldade, que dizia, proferindo o nome de Deus: “Quero que sejam mortos todos os hereges da França, homens, mulheres e crianças, de maneira que nem um só escape para me censurar a morte dos outros!” No tempo de Luís XIV, aos heréticos das Cevenes, aos protestantes, fazia-se-lhes assim: “reunidos em conjunto, homens, mulheres, crianças e velhos, nos campos, e guardados pelos soldados do rei, iam pelo meio deles os jesuítas e exortavam-nos a que se convertessem, dando-lhes a escolher: ou a missa ou a morte. Depois separavam-nos em dois grupos: de um lado aqueles que consentiam em abjurar da sua pretensa heresia, do outro, os que perseveravam nas suas crenças religiosas. E, então, os dragões de el-rei precipitavam-se sobre os últimos, cortavam-lhes a golpes de sabre, esmagavam-nos sob as patas dos cavalos e só paravam depois e os terem massacrados até ao último! Em seguida, desmontavam e recomeçavam uma nova luta com os que tinham sobrevivido: as mulheres, as raparigas, os rapazes, as criancinhas mesmo, eram poluídas por horríveis estupros, com os aplausos frenéticos dos padres e dos monges – testemunhas e autores destas cenas monstruosas!
Não se chamava Inquisição, não. Mas era da mesma maneira o ódio de Roma, a perversidade da Igreja Católica, espalhada pela França, dominando, acusando, intrigando, condenando, massacrando… conforme fez a Joana d`Arc, queimada viva, como feiticeira, em Ruão, depois de condenada por um tribunal a que presidiu o bispo de Beauvais!...