23/05/2012

AS IMAGENS DE MARIA E O SEGUNDO MANDAMENTO


“Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não re encurvarás a elas nem as servirás” (Êxodo 20.4-5).
“Não farás para ti” – Entende-se a posse do objeto quando destinado ao culto, à homenagem, à prece, à veneração. Deus não condena as obras de arte, escultura ou pintura de valor histórico e cultural.
“Nem alguma semelhança do que há em cima nos céus” – Não encontramos diferenças relevantes de tradução nas versões consultadas. A proibição não alcança apenas as imagens dos deuses, mas diz respeito, também, ao que existe nos céus: A Trindade (Pai, Filho, Espírito Santo), os anjos e os salvos em Cristo. Logo, estátuas de Jesus, dos santos apóstolos, de Maria, e de quantos, pelo nosso julgamento, estejam no céu, não devem ser objeto de culto.
“Não te encurvarás a elas” - Deus proíbe qualquer atitude de reverência ou respeito, tais como inclinar respeitosamente o corpo ou ajoelhar-se diante das imagens; prostrar-se com o rosto no chão; tocá-las; beijá-las; levantar os braços em atitude de adoração; tirar o chapéu; ficar em pé diante delas em estado contemplativo. Enfim, Deus proíbe fazer qualquer gesto com o corpo que expresse admiração, contemplação, fé, devoção, homenagem, reverência.
“Não as servirás” - Não servi-las com flores, velas, cânticos, coroas, festas, procissões, lágrimas, alegria, rezas, vigílias, doações, homenagens, devoção, sacrifícios, incenso. Não lhes devotar fé, confiança, zelo, amor, cuidados. Não alimentar expectativas de receber delas amparo, curas e proteção. Não colocá-las em lugar de destaque, em redoma ou em lugares altos.
A Igreja de Roma reconhece a proibição, mas decide por não acatá-la, como adiante:
“O mandamento divino incluía a proibição de toda representação de Deus por mão do homem.
O Deuteronómio explica: “Uma vez que nenhuma forma vistes no dia em que o Senhor vos falou no Horebe, do meio do fogo, não vos pervertais, fazendo para vós uma imagem esculpida em forma de ídolo...”(Dt 4.15-16)... No entanto, desde o Antigo Testamento, Deus ordenou ou permitiu a instituição de imagens que conduziriam simbolicamente à salvação por meio do Verbo encarnado, como são a serpente de bronze, a Arca da Aliança e os querubins.
Foi fundamentando-se no mistério do Verbo encarnado que o sétimo Concílio ecuménico, em Niceia (em 787), justificou, contra os iconoclastas, o culto dos ícones: os de Cristo, mas também os da Mãe de Deus, dos anjos e de todos os santos. Ao encarnar, o Filho de Deus inaugurou uma nova “economia ”das imagens. O culto cristão das imagens não é contrário ao primeiro mandamento, que proíbe os ídolos. De fato, “a honra prestada a uma imagem dirige-se ao modelo original, e quem venera uma imagem venera a pessoa que nela está pintada. A honra prestada às santas imagens é uma “veneração respeitosa”, e não uma adoração, que só compete a Deus. O culto às imagens sagradas está fundamentado no mistério da encarnação do Verbo de Deus. Não contraria o primeiro mandamento” (C.I.C. p. 560-562, # 2129-2132, 2141).
Analisando as explicações acima:
a) “O mandamento divino INCLUÍA a representação de toda representação de Deus por mãos do homem”.
O mandamento divino incluía. Não, o mandamento inclui, está vigente. A cruz não aboliu as Dez Palavras. As leis cerimoniais sim, foram abolidas. O Decálogo é, no varejo, o que Jesus disse no atacado: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento”, e “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mateus 22.35-40;
Deuteronómio 6.5; 10.12; 30.6; Levítico 19.18). Num coração cheio do amor de Deus e do amor a Deus não há espaço para a adoração de pessoas ou de coisas. Em Mateus 5.17, Jesus afirma: "Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim ab-rogar, mas cumprir" (ARC) ou: "Não pensem que eu vim acabar com a Lei e os ensinamentos dos profetas. Não vim acabar com eles, mas para dar o seu sentido completo."
(BLH). A seguir Jesus exemplifica o novo sentido da lei: se pensar em matar, já pecou e
transgrediu a lei; se pensar em adulterar, já pecou.
b) “No entanto, Deus ordenou... a serpente de bronze, a Arca da Aliança, os
querubins”...
A Arca da Aliança e os querubins passaram. Eles faziam parte de cerimónias e símbolos
Instituídos por Deus, de acordo com a sua infinita sabedoria e soberana vontade, para melhor conduzir o povo na sua fé. Agora, vindo Cristo, temos “um maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta criação, nem por sangue de bodes e bezerros, mas por seu próprio sangue...” (Hebreus 9.11).
A serpente de bronze - Este símbolo tão zelosamente defendido pela Igreja de Roma foi
um remédio específico para um mal específico numa situação especial (Números 21.7-9).
Agora, já não precisamos de figuras para nossos males físicos e espirituais. Como disse
João Ferreira de Almeida, “o poder vivificante da serpente de metal prefigura a morte sacrificial de Jesus Cristo, levantado que foi na cruz para dar vida a todos que para Ele olharem com fé”.
O próprio Jesus assim se manifestou: “E, como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3.14-15). Deus não recomendou o culto, a homenagem ou a veneração à serpente. Por isso, o rei Ezequias, temente e reto aos olhos do Senhor, destruiu-a ao perceber que o povo lhe prestava culto (2 Reis 18.4). Ademais, não se vê em Atos dos Apóstolos qualquer indício de uso de figuras, ícones ou imagens destinados a facilitar a compreensão e conduzir os fiéis à salvação.
Com relação a símbolos e cerimónias do Antigo Testamento, devemos considerar que em Cristo estamos sob a égide de uma Nova Aliança ou Novo Testamento firmada no Seu sangue (1 Coríntios 11.25). Logo, “dizendo novo concerto, envelheceu o primeiro. Ora, o que foi tornado velho e se envelhece perto está de acabar” (Hebreus 8.13). Devemos observar que a ideia de fazer imagens e querubins foi de Deus, e não de Moisés. Com relação a nós, Deus proíbe terminantemente o uso de imagens. É Deus que nos proíbe, que nos condena.
Os querubins estavam no propiciatório - espécie de lâmina retangular de ouro - sobre a Arca da Aliança que era guardada no lugar santíssimo do Tabernáculo (Êxodo 25.17-22).O acesso a esse lugar, só uma vez por ano, era restrito ao Sumo Sacerdote (Êxodo 25.17-22; 40.13; Hebreus 9.7). Ao povo não era permitido ver os querubins ou adorá-los. Aos fiéis não foi permitido reproduzir as imagens da serpente e dos querubins para serem veneradas.
c) “... o sétimo Concílio ecuménico, em Nicéia (em 787), justificou... o culto dos ícones: os de Cristo, mas também os da Mãe de Deus, dos anjos e de todos os santos. O culto cristão das imagens não é contrário ao primeiro mandamento, que proíbe os ídolos. De fato, “a honra prestada a uma imagem se dirige-se ao modelo original, e quem venera uma imagem venera a pessoa que nela está pintada. A honra prestada às santas imagens é uma “veneração respeitosa”, e não uma adoração, que só Não contraria o primeiro mandamento”.
Ora, se o mandamento proíbe o culto aos ídolos, então o culto aos ídolos é proibido.
Desculpem-me os leitores pelo óbvio. Portanto, o culto às imagens contraria o mandamento.
Se contraria, é pecado cultuá-las. O Concílio de Nicéia justificou, mas são justificativas de homens. A Palavra é o padrão. A tradição deverá ajustar-se à Palavra. A honra ao modelo original via imagem parte de uma premissa falsa, porque as imagens não são na sua grande maioria cópias fiéis dos originais, exemplos de Jesus, Maria, José e dos santos apóstolos.
Os traços físicos não foram revelados nem por fotografias nem por pinturas. Jeremias foi direto: “Suas imagens são mentira” (Jr 10.14).
d) “A honra prestada às santas imagens é uma “ veneração respeitosa”, e não uma adoração, que só compete a Deus”.
Venerar: “Tributar grande respeito a; render culto a, reverenciar”; Culto: “Adoração ou homenagem à divindade em qualquer de suas formas, e em qualquer religião”. Adorar:
“Render culto a (divindade); reverenciar, venerar, idolatrar” (Dicionário Aurélio). Como se vê, é muito ténue a linha entre honrar, venerar, adorar e prestar culto. Vejamos o que Deus afirma: “Eu sou o Senhor. Este é o meu nome. A minha glória a outrem não a darei, nem a minha honra às imagens de escultura” (Isaías 42.8). Na Bíblia Linguagem de Hoje: Eu sou o Deus Eterno: este é o meu nome, e não permito que as imagens recebam o louvor que somente eu mereço." Na Bíblia Ecuménica, católica: “Eu sou o Senhor, este é o meu nome: eu não darei a outrem a minha glória, nem consentirei que se tribute aos ídolos o louvor que só a mim pertence”.
Dizer que o culto a Maria e à sua imagem esculpida é apenas uma veneração, não condiz com a realidade. Há um descompasso enorme entre o discurso e a prática. Não pode ser negado o que é público e notório. Maria é realmente adorada como Rainha dos Céus, Senhora, Padroeira, Protetora, Mãe dos Vivos, Mãe da Igreja, Mãe de Deus, etc. E isso constitui pecado.
Jesus disse e está escrito em Mateus 4.10: “Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele servirás”.
E o primeiro mandamento diz: “Não terás outros deuses diante de mim” (Êxodo 20.3). Maria foi constituída a PROTETORA de Portugal e do mundo. Parece até que, para os romanistas, a evangelização via Maria se torna mais fácil do que pregando Cristo ressuscitado. Não foi essa a via utilizada pelos apóstolos nas primeiras pregações. Eles
não endeusavam os santos, mas apresentavam Jesus, o Santo dos santos, como o único
caminho.
Façamos de conta que o culto a Maria e à sua imagem esculpida é apenas uma respeitosa admiração. Ora, essa veneração manifesta-se de vários modos, por exemplo: as imagens de Maria são tocadas, beijadas, coroadas; levadas em procissão; diante delas os fiéis ajoelham-se, choram e (veja-se o caso de Fátima) fazem pedidos; imagens da santa, cópias ou originais, percorrem cidades e nações para serem homenageadas; são levantadas pelos sacerdotes no altar e os fiéis; são colocadas em redomas nas praças ou em grutas; em muitas casas as imagens são iluminadas continuamente; muitos trazem a imagem em pulseiras, colares, fitas, ou guardam-nas no ambiente de trabalho; ao passar pela imagem, muitos inclinam o corpo ou tiram o chapéu, etc. Pergunta-se o seguinte: se essas práticas não constituem adoração e idolatria, o que mais deveria ser feito, qual prática deveria ser adicionada às já existentes, o que os fiéis romanistas deveriam fazer além de tudo que fazem para então se configurar uma adoração e uma idolatria? O que mais deveriam fazer?
Outras referências:
“Não fareis para vós ídolos, nem para vós levantareis imagem de escultura nem estátua, nem poreis figura de pedra na vossa terra para inclinar-vos diante dela. Eu sou o Senhor vosso Deus” (Levítico 26.1).
“No dia em que o Senhor vosso Deus falou convosco em Horebe, do meio do fogo, não vistes figura nenhuma. Portanto, guardai com diligência as vossas almas, para que não vos corrompais, fazendo um ídolo, UMA IMAGEM DE QUALQUER TIPO, FIGURA DE HOMEM OU DE MULHER...” (Deuteronómio 4.15-16).
“As imagens de escultura dos seus deuses queimarás no fogo. Não cobiçarás a prata nem o ouro que haja nelas, nem os tomarás para ti, para que não sejas iludido, pois É
ABOMINAÇÃO AO SENHOR, TEU DEUS” (Deuteronómio 7.25).
“As suas imagens de fundição são vento e nada” (Isaías 41.29b)
“Eu sou o SENHOR; este é o meu nome! A minha glória a outrem não a darei, nem o meu louvor às imagens de escultura” (Isaías 42.8)
“Todo homem se embruteceu e não tem ciência; envergonha-se todo fundidor da sua imagem de escultura, porque sua imagem fundida é mentira, e não há espírito nela” (Jeremias 10.14).
“Arrancarei do meio de ti as tuas imagens de escultura e as tuas estátuas; e tu não te inclinarás mais diante da OBRA DAS TUAS MÃOS” (Miqueias 5.13).
“Também está cheia de ídolos a sua terra; inclinaram-se perante a OBRA DAS SUAS MÃOS, diante daquilo que fabricaram os seus dedos” (Isaías 2.8).
“Nada sabem os que conduzem em procissão as suas imagens de escultura, feitas de madeira, e rogam a um deus que não pode salvar” (Isaías 45.20).
“Mas o nosso Deus está nos céus e faz tudo o que lhe apraz. Os ídolos deles são prata e
ouro, OBRA DAS MÃOS DOS HOMENS. Têm boca, mas não falam; têm olhos, mas não vêem; têm ouvidos, mas não ouvem; nariz têm, mas não cheiram. Têm mãos, mas não apalpam; têm pés, mas não andam; nem som algum sai da sua garganta. Tornem-se
semelhantes a eles os que os fazem e todos os que neles confiam” (Salmos 115.3-8).
“Eles trocam a verdade de Deus pela mentira e ADORAM E SERVEM O QUE DEUS CRIOU, em vez de adorarem e servirem o próprio Criador, que deve ser louvado para sempre. Amém” (Romanos 1.25). Anjos e espíritos humanos são criaturas de Deus.
“Filhinhos, guardai-vos dos ídolos” (1 João 5.21).
A proibição divina abrange:
a) Qualquer coisa (estátua, imagem, ídolo, presépio) produzida por mãos humanas para ser objeto de veneração, adoração, culto ou louvor.
b) Imagens de toda a criação de Deus (anjos, pessoas, espíritos humanos, corpos celestes, animais) com o mesmo objetivo.
c) Imagens de qualquer uma das três Pessoas da Trindade.
Estão, portanto, em desacordo com o Segundo Mandamento cultos de louvor, adoração,
homenagem ou veneração prestados às imagens representativas de pessoas falecidas,
qualquer que tenha sido o grau de santidade que tenham alcançado na vida terrena.

03/05/2012

Atitude sobre a Liberdade Religiosa dos Católicos e Protestantes

A teoria protestante de liberdade de consciência tem prevalecido cada vez mais em todos os países protestantes, até a Suécia e Noruega. Por outro lado, a liberdade religiosa, a medida que tem sido conquistada em nações católicas romanas da Europa e da América, tem-no sido em face da oposição das autoridades romanas.
Pontífices recentes, como Pio IX, Leão XIII e Pio X, sustentam a atitude tradicional dos papas, de exclusivo direito da igreja romana, de preeminência do governo papal lá onde esta tenha sido a regra e a restrição da liberdade religiosa. Lehmkuhl, 2:790, admite que Pio IX, em sua quanta cura, declarou que a liberdade de consciência e de culto não é direito natural. A afirmativa feita por Pio IX, escrevendo a Guilherme I, da Alemanha, em 1875, que "todos os que foram batizados pertencem, de algum modo, ao papa", parece quase burlesca a um protestante. Leão XIII decepcionou todas as esperanças de que se subtraísse as pretensões tradicionais dos papas e aprovasse as ideias modernas de tolerância religiosa e liberdade de opinião. Em sua bula immortale dei, de 1885, confirmou os pronunciamentos de Gregório XVI e o Syllabus de 1864, que condenara como demência a proposição segundo a qual a liberdade de consciência deva ser concedida a todos; mas, em aparente contradição, acrescentou que a igreja não condena os governos que, "para alcançarem algum benefício de vulto ou evitarem algum grande mal, pacientemente permitem" o costume da tolerância, se já anteriormente implantado. Ao longo de sua encíclica, Leão fala da igreja romana como idêntica à religião cristã e afirma que, sendo divinamente esclarecida, ela e a mais exaltada das autoridades, sendo que "foi do agrado de Deus houvesse um governador para estar a testa de todos os governos e ser o principal e infalível mestre da verdade, ao qual foram entregues as chaves do reino dos céus". Os Estados e indivíduos de "propósitos desprevenidos e sinceros" - afirmou, adiante, o papa - não -podem encontrar dificuldade em descobrir "a verdadeira religião", que é o sistema católico romano. A intenção de Leão é clara como o dia, porque ele contrastou o movimento do século XVI com a "verdadeira religião" e condenou aquele movimento "como a principal fonte de todos os princípios modernos de desenfreada licença, grosseiramente concebida e revelando-se nas terríveis convulsões do século XVIII". O ensino de Leão acerca do direito de juízo privado em matéria religiosa, segundo foi expresso pelos comentadores americanos Ryan e Millar, e que " um Estado genuinamente católico, a autoridade pública não permitirá a introdução de novas formas de religião; mas, quando várias denominações já estejam estabelecidas, o Estado pode permitir, o que geralmente faz, que todas elas continuem a existir e a funcionar, pela razão de que poderia ser ruinosa a comunidade a tentativa de as suprimir. A política papal, conforme foi definida pelo mais hábil dos papas recentes, choca-se, portanto, com a teoria da Constituição Americana, que trata a liberdade religiosa como direito inalienável. Aquela política parece tolerar a prática americana somente até que possa vir o tempo em que as pretensões papais venham a ser impostas, com o auxílio da população católica romana. Na encíclica libertas, Leão explicitamente condenou "as chamadas liberdades modernas", principalmente a liberdade de palavra, de imprensa, de ensino e de culto, negando que tais liberdades sejam direitos outorgados por natureza.
No novo Index de livros proibidos, publicado por Leão, este interditou os católicos a leitura de obras que defendam heresias e cismas, ou contenham negação dos méritos divinos de Maria e dos santos, e também obras escritas por não-católicos, versando sobre religião. Na igreja do Latrão, quando inaugurou o esplendido monumento erguido a Inocência III, Leão teve rara oportunidade de pronunciar alguma palavra em favor da liberdade de pensamento e de discurso, e de reprovação ao tratamento dispensado aos dissidentes religiosos, na Idade Media e depois. Nenhuma palavra nesse sentido lhe saiu da pena. Pelo contrário, em 1900, demonstrou seu apego à tradição papal, ao ser inaugurada, no campo de Fiori, em Roma, a estátua de Giordano Bruno, que havia sido esfolado nu e queimado naquele lugar, três séculos antes - fazendo publicar um protesto contra o monumento, protesto em que ele, papa, declarava Bruno "um homem de vida descuidada e impura".
O predecessor de Leão, Pio IX, elevando a dignidade de santo a Pedro Arbuez, o inquisidor espanhol morto pela população espanhola, não deu sinal algum de que reprovava o tribunal de Inquisição de Espanha. E o sucessor de Leão, Pio X, exaltando a semelhante dignidade Pedro Canisius, que ensinava ser a heresia coisa que devia ser tratada como doença, devendo ser o povo ensinado a odiar os heréticos - outra vez repetiu a acusação de que o Protestantismo e a desordem, sendo responsável pelos males sociais e revoluções dos tempos modernos. Em suas encíclicas contra o Modernismo, Pio não só condenou o livre exame, mas proibiu que os estudantes católicos manuseassem livros que contenham ensinos heréticos, encarregando aos bispos de todo o mundo de enviarem regularmente relatórios ao Vaticano, sobre o cumprimento daquela lei e sobre o fato de os seminários católicos não admitirem escritos de procedência herética.
Segundo Koch, o Analecta eclesiástica, periódico oficial saído do Vaticano, reeditou, em 1895, uma declaração feita em 1484, louvando o inquisidor espanhol, Torquemada, pelos benefícios que havia prestado ao Estado e a religião, punindo apóstatas e judeus com os castigos mais severos. O documento continha a exclamação: "Ó, chamas benditas, pelas quais milhares foram libertos das garras do erro e talvez da perdição eterna!... Ó santo e venerando nome de Tomaz Torquemada, que fez que as pessoas recuassem da apostasia, por medidas de força e santo temor!" Em 1901, o jesuíta De Luca, em sua obra sobre a Lei da Igreja, incluiu a morte entre as penalidades adequadas a desobediência à igreja.
Até mesmo um distinto prelado americano, o bispo Gilmour, não se absteve de repetir, como se fossem verdadeiras, velhas histórias que expõem o pretenso destino horrível das pessoas que discordem dos credos aceitos. Em seu manual de Hist6ria da Bíblia, acha-se impresso em letras graúdas o conto segundo o qual a língua de Nestório lhe apodrecera na boca. Poderia haver maior amontoado de erros, num curto trecho, do que o parágrafo que traz a comparação do bispo, entre os métodos empregados pelos protestantes e os que os católicos romanos empregam, quando assevera que "para fazer conversos, o catolicismo sempre tem apelado para a razão; o protestantismo, como o maometismo, para a força e a violência. Na Inglaterra e na Escócia o protestantismo foi imposto ao povo por meio de multas, prisões e morte. Na América, os Puritanos agiram do mesmo modo. Entre os protestantes, há quase tantas religiões quantos são os indivíduos. A igreja está dividida e se reduz a pedaços, acabando em infidelidade e Mormonismo"?
Em matéria de liberdade de consciência e liberdade de pensamento, o protestantismo tem muito de que se arrepender e de que se retractar, em face da história que se abriu do século XVI para cá. Os princípios dos Reformadores deviam tê-los resguardado de todas as medidas legais de intolerância e de toda perseguição: Sua pr6pria afirmação do direito de dissentir, assim o pensamos hoje, devia ter-lhes sugerido aquela conduta. A sua aceitação das Escrituras como livro final de instrução, devia tê-los confirmado naquela atitude e os exemplos de dissidentes religiosos que os precederam e o trato que receberam das autoridades eclesiásticas, deviam, pensamos, estar sempre perante o seu espirito. Wyclif, o seu verdadeiro precursor, havia afirmado a liberdade de pensamento contra os hierarcas de seu tempo, um dos quais, Gregório XI, disse que "da boca imunda do seu coração ele tem vomitado blasfémias e heresias". Huss, a quem Lutero exaltava, havia dito que coisa alguma podia fazer contra as Escrituras e a sua consciência. Ambos foram condenados por um Concilio Ecuménico, um a ser desenterrado, outro a sofrer morte horrível na fogueira. Em Worms, o próprio Lutero, em 1521 definiu o princípio quando, em face de todas as autoridades do tempo, civis e eclesiásticas, exclamou: "A não ser que seja persuadido por argumentos suficientes, tirados da Escritura e da razão, não posso e não desejo retractar-me; porque fazer qualquer coisa contra a consciência é arriscado e perigoso". É possível que nenhuma verdade tenha sido mais clara e sinceramente enunciada, desde os dias dos Apóstolos. Palavras como aquelas nenhum Concilio Ecuménico ou teólogo medieval jamais pronunciou. Elas estão em frisante contraste com os pronunciamentos de Leão XIII e Pio X. O princípio de Lutero foi afirmado pelo oficial luterano na corte de Saxónia, Minkowitz, que, em face da tenaz oposição à causa protestante na Dieta de Spira, 1529, disse que, "em matéria de consciência, não pode haver lugar para maiorias. Em coisas que dizem respeito a honra de Deus e a salvação das almas, cada um deve responder por si mesmo". Esta e, observou Hase, precisamente a essência do Protestantismo. As palavras de Cristo: "A verdade vos libertará", são cumpridas, não por meio de coação física, mas por persuasão, tolerância e amor. Oh! Por que as autoridades da igreja dos séculos passados não seguiram sempre aquela política, política que pode ser tirada de S. Paulo quando aconselhava que, "se alguém for surpreendido em falta, vós, que sois espirituais, restaurai o tal num espirito de mansidão; e tu considera-te a ti mesmo, para que não sejas também tentado"! – Gál. 6:1.

A Liberdade Religiosa na América

A completa liberdade religiosa encontrou seu primeiro lar no solo americano e Rhode Island se tornou, na história do mundo, a primeira comunidade em que ela se tornou lei fundamental. Seu zeloso advogado, o rev. Roger Williams, atravessara o Atlântico pela liberdade da alma, como a tratava, e, por sua causa, em parte, sofrera banimento de Massachusetts e os rigores do "deserto gemedor" em tempo de inverno. Providência, onde se refugiou, devia ser, segundo suas próprias palavras - "asilo das pessoas oprimidas por motivo de consciência". Em seu tratado - The Bloudy Tenent of Conscience - defendeu aquele princípio, enfrentando a pena do sustentáculo teológico da teocracia no Massachusetts, rev. João Cotton. Williams conquistou merecido lugar na Galeria da Fama. Foi o progenitor dos Fundadores da República Americana, que manteve a Constituição isenta de distinções religiosas. O estado de mente do Massachusetts foi evocado por um dos contemporâneos de Williams, em um de nossos mais curiosos, livros - The Cobler of Aggawam, escrito pelo rev. Natanael Ward, de Aggawam, hoje denominada Ipswich. O escritor expressou a opinião de que "O Estado pode ser conivente com religiões e opiniões falsas, em alguns casos, mas não admitir nenhuma delas"; sendo que o Estado que tolera religiões falsas é "um jardim zoológico, um aviário de erros". A liberdade de consciência ele a declarou ser nada mais do que " a libertação do pecado e do erro" e adiantou que "ficava atônito ante os que intercediam por que os homens tivessem liberdade em sua consciência, uma vez que é perseguição o privá-los de a ter". Ainda em 1683, o presidente Oakes, do Colégio de Harvard, se expressava nestes termos: "Encaro a tolerância como a primogênita de todas as abominações. Foi a tolerância que tornou o mundo anticristão". Em Boston a opinião sofria, entretanto, mudança, como o prova o exemplo de Cotton Mather. Tem-se corajosamente alegado que os católicos romanos foram os precursores da liberdade religiosa no Continente Americano pela tolerância dispensada aos protestantes na colónia de Maryland. Apela-se para a carta de instruções que Lord Baltimore, católico romano, endereçou a seu irmão, Leonardo Calvert, que conduziu os primeiros colonizadores, em 1634, para que "no mar e na terra o contingente protestante não fosse molestado por palavra ou ato".. Os fatos são estes: as Instruções se basearam em considerações de conveniência e não no carácter sagrado das convicções religiosas. Lord Baltimore não mencionou os direitos da consciência. Havia iniciado a empresa com intuitos comerciais. A política de porta aberta se tornou imperativa, em face das opiniões religiosas dos colonos, cuja maioria era de protestantes. Também ela se tornava imperiosa, em face da Constituição de Maryland, que exigia que as igrejas e capelas fossem ali "consagradas segundo as leis eclesiásticas de nosso reino de Inglaterra". Lord Baltimore, como patrão, não podia ter feito outra coisa. Num discurso pronunciado na catedral de Westminster, em Londres, o cardeal Gibbons proclamou que a liberdade civil e religiosa fora primeiro estabelecida na América pelos fundadores do Maryland, e firmou sua declaração num trecho tirado da primeira edição da História de Bancroft, que dizia que "em Maryland a liberdade religiosa tinha seu único lar em todo o mundo e a consciência não sofria constrangimento". Os parágrafos citados continuaram a aparecer nas edições posteriores do livro do cardeal - "A Crença de nossos Pais" - sem nenhum vestígio de referência ao fato de haver Bancroft introduzido, na segunda edição de sua obra, certa modificação de seu primitivo asserto. Nessa edição ele escreveu que Roger Williams foi a primeira pessoa na Cristandade moderna a definir, em sua plenitude a doutrina da consciência, a igualdade de opiniões perante a lei. A declaração do cardeal Gibbons, ao tempo em que foi feita, provocou refutação da parte de Gladstone. Na colónia de Maryland os sacerdotes não hesitaram em ler publicamente -a bula - in coena damini - com as maldições assacadas aos protestantes e outros, heréticos e malfeitores - Neill in Founders of Md., p. .101. Paulus foi bastante engenhoso para dizer a verdade e considerar as Instruções dadas a Leonardo Calvert como assunto de "precaução política". Nenhuma suspeita de expediente comercial ou político jamais se levantou contra o fundador de Rhode Island. Williams se bateu pela liberdade de consciência como direito natural, de aplicação universal.
Ao tempo em que estava iminente a separação das Colónias Americanas da Inglaterra, a liberdade de consciência, em matéria religiosa, tinha-se tornado convicção generalizada, do Massachusetts a Geórgia. Dirigindo-se aos Batistas de Baltimore, que haviam trabalhado na Virginia em infringindo as leis religiosas da colónia e sob protestos do clero Episcopal estabelecido, disse Jefferson - Obras, 8.137: "Em nossas primitivas lutas pela liberdade, a liberdade religiosa não podia deixar de tornar-se assunto primordial". Ele considerava como um de seus atos principais o fato de ter sido autor do estatuto virginiano de liberdade religiosa. A liberdade civil e religiosa, foram reunidas inseparavelmente pelo Primeiro Congresso Provincial do Massachusetts, de 1774. Nas Instruções dadas, um ano depois, a Arnold, ao iniciar sua expedição a Quebec, Washington recomendou que tivesse cuidado com os direitos da consciência e recordou que "somente Deus é o juiz dos corações humanos e só a ele devem os homens dar contas". Finalmente, no solo americano, cultivado quase inteiramente, do Massachusetts a Geórgia, por descendentes de protestantes, os princípios de completa liberdade religiosa e de liberdade de palavra e de imprensa foram expressos na Constituição, cuja linguagem memorável diz: "O Congresso não fará lei tendente ao estabelecimento de uma religião ou a proibição do livre exercício dela, ou a tolher a liberdade de palavra e de imprensa". A cláusula referente a religião foi reconhecida prontamente pelas diferentes igrejas. Em sua carta aos Batistas, 1789, Washington os louvou, porque "uniforme e quase unanimemente, tinham sido os amigos firmes da liberdade religiosa". No mesmo ano, a Assembleia Geral Presbiteriana, dando apoio ao Ato Constitucional, declarou que "Só Deus é senhor da consciência. Em todos os assuntos que dizem respeito a religião, os direitos de juízo privado são universais e inalienáveis e não desejamos ver nenhuma organização religiosa sustentada pelo poder civil, além do que possa ser necessário à proteção e segurança, sendo isso ao mesmo tempo extensivo a todas as outras". A liberdade religiosa e a liberdade de palavra, declaradas direito inalienável pela Convenção Americana, com apenas duas ou três excepções de protestantes, foram adoptadas pelas Repúblicas Sul Americanas, a começar com Buenos Aires, 1813, ainda que com o costumeiro protesto da sé romana.