03/05/2012

Atitude sobre a Liberdade Religiosa dos Católicos e Protestantes

A teoria protestante de liberdade de consciência tem prevalecido cada vez mais em todos os países protestantes, até a Suécia e Noruega. Por outro lado, a liberdade religiosa, a medida que tem sido conquistada em nações católicas romanas da Europa e da América, tem-no sido em face da oposição das autoridades romanas.
Pontífices recentes, como Pio IX, Leão XIII e Pio X, sustentam a atitude tradicional dos papas, de exclusivo direito da igreja romana, de preeminência do governo papal lá onde esta tenha sido a regra e a restrição da liberdade religiosa. Lehmkuhl, 2:790, admite que Pio IX, em sua quanta cura, declarou que a liberdade de consciência e de culto não é direito natural. A afirmativa feita por Pio IX, escrevendo a Guilherme I, da Alemanha, em 1875, que "todos os que foram batizados pertencem, de algum modo, ao papa", parece quase burlesca a um protestante. Leão XIII decepcionou todas as esperanças de que se subtraísse as pretensões tradicionais dos papas e aprovasse as ideias modernas de tolerância religiosa e liberdade de opinião. Em sua bula immortale dei, de 1885, confirmou os pronunciamentos de Gregório XVI e o Syllabus de 1864, que condenara como demência a proposição segundo a qual a liberdade de consciência deva ser concedida a todos; mas, em aparente contradição, acrescentou que a igreja não condena os governos que, "para alcançarem algum benefício de vulto ou evitarem algum grande mal, pacientemente permitem" o costume da tolerância, se já anteriormente implantado. Ao longo de sua encíclica, Leão fala da igreja romana como idêntica à religião cristã e afirma que, sendo divinamente esclarecida, ela e a mais exaltada das autoridades, sendo que "foi do agrado de Deus houvesse um governador para estar a testa de todos os governos e ser o principal e infalível mestre da verdade, ao qual foram entregues as chaves do reino dos céus". Os Estados e indivíduos de "propósitos desprevenidos e sinceros" - afirmou, adiante, o papa - não -podem encontrar dificuldade em descobrir "a verdadeira religião", que é o sistema católico romano. A intenção de Leão é clara como o dia, porque ele contrastou o movimento do século XVI com a "verdadeira religião" e condenou aquele movimento "como a principal fonte de todos os princípios modernos de desenfreada licença, grosseiramente concebida e revelando-se nas terríveis convulsões do século XVIII". O ensino de Leão acerca do direito de juízo privado em matéria religiosa, segundo foi expresso pelos comentadores americanos Ryan e Millar, e que " um Estado genuinamente católico, a autoridade pública não permitirá a introdução de novas formas de religião; mas, quando várias denominações já estejam estabelecidas, o Estado pode permitir, o que geralmente faz, que todas elas continuem a existir e a funcionar, pela razão de que poderia ser ruinosa a comunidade a tentativa de as suprimir. A política papal, conforme foi definida pelo mais hábil dos papas recentes, choca-se, portanto, com a teoria da Constituição Americana, que trata a liberdade religiosa como direito inalienável. Aquela política parece tolerar a prática americana somente até que possa vir o tempo em que as pretensões papais venham a ser impostas, com o auxílio da população católica romana. Na encíclica libertas, Leão explicitamente condenou "as chamadas liberdades modernas", principalmente a liberdade de palavra, de imprensa, de ensino e de culto, negando que tais liberdades sejam direitos outorgados por natureza.
No novo Index de livros proibidos, publicado por Leão, este interditou os católicos a leitura de obras que defendam heresias e cismas, ou contenham negação dos méritos divinos de Maria e dos santos, e também obras escritas por não-católicos, versando sobre religião. Na igreja do Latrão, quando inaugurou o esplendido monumento erguido a Inocência III, Leão teve rara oportunidade de pronunciar alguma palavra em favor da liberdade de pensamento e de discurso, e de reprovação ao tratamento dispensado aos dissidentes religiosos, na Idade Media e depois. Nenhuma palavra nesse sentido lhe saiu da pena. Pelo contrário, em 1900, demonstrou seu apego à tradição papal, ao ser inaugurada, no campo de Fiori, em Roma, a estátua de Giordano Bruno, que havia sido esfolado nu e queimado naquele lugar, três séculos antes - fazendo publicar um protesto contra o monumento, protesto em que ele, papa, declarava Bruno "um homem de vida descuidada e impura".
O predecessor de Leão, Pio IX, elevando a dignidade de santo a Pedro Arbuez, o inquisidor espanhol morto pela população espanhola, não deu sinal algum de que reprovava o tribunal de Inquisição de Espanha. E o sucessor de Leão, Pio X, exaltando a semelhante dignidade Pedro Canisius, que ensinava ser a heresia coisa que devia ser tratada como doença, devendo ser o povo ensinado a odiar os heréticos - outra vez repetiu a acusação de que o Protestantismo e a desordem, sendo responsável pelos males sociais e revoluções dos tempos modernos. Em suas encíclicas contra o Modernismo, Pio não só condenou o livre exame, mas proibiu que os estudantes católicos manuseassem livros que contenham ensinos heréticos, encarregando aos bispos de todo o mundo de enviarem regularmente relatórios ao Vaticano, sobre o cumprimento daquela lei e sobre o fato de os seminários católicos não admitirem escritos de procedência herética.
Segundo Koch, o Analecta eclesiástica, periódico oficial saído do Vaticano, reeditou, em 1895, uma declaração feita em 1484, louvando o inquisidor espanhol, Torquemada, pelos benefícios que havia prestado ao Estado e a religião, punindo apóstatas e judeus com os castigos mais severos. O documento continha a exclamação: "Ó, chamas benditas, pelas quais milhares foram libertos das garras do erro e talvez da perdição eterna!... Ó santo e venerando nome de Tomaz Torquemada, que fez que as pessoas recuassem da apostasia, por medidas de força e santo temor!" Em 1901, o jesuíta De Luca, em sua obra sobre a Lei da Igreja, incluiu a morte entre as penalidades adequadas a desobediência à igreja.
Até mesmo um distinto prelado americano, o bispo Gilmour, não se absteve de repetir, como se fossem verdadeiras, velhas histórias que expõem o pretenso destino horrível das pessoas que discordem dos credos aceitos. Em seu manual de Hist6ria da Bíblia, acha-se impresso em letras graúdas o conto segundo o qual a língua de Nestório lhe apodrecera na boca. Poderia haver maior amontoado de erros, num curto trecho, do que o parágrafo que traz a comparação do bispo, entre os métodos empregados pelos protestantes e os que os católicos romanos empregam, quando assevera que "para fazer conversos, o catolicismo sempre tem apelado para a razão; o protestantismo, como o maometismo, para a força e a violência. Na Inglaterra e na Escócia o protestantismo foi imposto ao povo por meio de multas, prisões e morte. Na América, os Puritanos agiram do mesmo modo. Entre os protestantes, há quase tantas religiões quantos são os indivíduos. A igreja está dividida e se reduz a pedaços, acabando em infidelidade e Mormonismo"?
Em matéria de liberdade de consciência e liberdade de pensamento, o protestantismo tem muito de que se arrepender e de que se retractar, em face da história que se abriu do século XVI para cá. Os princípios dos Reformadores deviam tê-los resguardado de todas as medidas legais de intolerância e de toda perseguição: Sua pr6pria afirmação do direito de dissentir, assim o pensamos hoje, devia ter-lhes sugerido aquela conduta. A sua aceitação das Escrituras como livro final de instrução, devia tê-los confirmado naquela atitude e os exemplos de dissidentes religiosos que os precederam e o trato que receberam das autoridades eclesiásticas, deviam, pensamos, estar sempre perante o seu espirito. Wyclif, o seu verdadeiro precursor, havia afirmado a liberdade de pensamento contra os hierarcas de seu tempo, um dos quais, Gregório XI, disse que "da boca imunda do seu coração ele tem vomitado blasfémias e heresias". Huss, a quem Lutero exaltava, havia dito que coisa alguma podia fazer contra as Escrituras e a sua consciência. Ambos foram condenados por um Concilio Ecuménico, um a ser desenterrado, outro a sofrer morte horrível na fogueira. Em Worms, o próprio Lutero, em 1521 definiu o princípio quando, em face de todas as autoridades do tempo, civis e eclesiásticas, exclamou: "A não ser que seja persuadido por argumentos suficientes, tirados da Escritura e da razão, não posso e não desejo retractar-me; porque fazer qualquer coisa contra a consciência é arriscado e perigoso". É possível que nenhuma verdade tenha sido mais clara e sinceramente enunciada, desde os dias dos Apóstolos. Palavras como aquelas nenhum Concilio Ecuménico ou teólogo medieval jamais pronunciou. Elas estão em frisante contraste com os pronunciamentos de Leão XIII e Pio X. O princípio de Lutero foi afirmado pelo oficial luterano na corte de Saxónia, Minkowitz, que, em face da tenaz oposição à causa protestante na Dieta de Spira, 1529, disse que, "em matéria de consciência, não pode haver lugar para maiorias. Em coisas que dizem respeito a honra de Deus e a salvação das almas, cada um deve responder por si mesmo". Esta e, observou Hase, precisamente a essência do Protestantismo. As palavras de Cristo: "A verdade vos libertará", são cumpridas, não por meio de coação física, mas por persuasão, tolerância e amor. Oh! Por que as autoridades da igreja dos séculos passados não seguiram sempre aquela política, política que pode ser tirada de S. Paulo quando aconselhava que, "se alguém for surpreendido em falta, vós, que sois espirituais, restaurai o tal num espirito de mansidão; e tu considera-te a ti mesmo, para que não sejas também tentado"! – Gál. 6:1.