18/07/2012

A Roma do Primeiro Século

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A tristeza da situação política não impedia que os cristãos do primeiro século vivessem como uma família.
A Roma do primeiro século vivia uma situação política bastante triste. Tibério (14-37 d.C.) era um imperador de dupla personalidade. A maioria dos historiadores tecem elogios à sua administração, esquecendo a sua violenta tirania e despotismo, em nome da razão de Estado. Mas os cristãos (confundidos com os judeus) não tinham do que se queixar.

A Tibério sucedeu Calígula (37-41 d.C), tão cínico que, para insultar o Senado, deu as honras de Cônsul ao seu cavalo! Na "História dos Césares" é apelidado de “animal ferox”, tamanha era a sua crueldade. Por fim, foi assassinado por Cláudio, o capitão de sua guarda pessoal. E foi uma festa pelo império afora.

Sucedeu-lhe Cláudio (41-54 d.C), um homem irresoluto e tímido, e tão covarde que consentia que Calígula o esbofeteasse e o chicoteasse em público. Uma vez imperador, mandou matar todos seus amigos, a um ponto que Agripina mandou envenená-lo.

Então, Nero subiu ao trono (54-68 d.C): a pior desgraça da Roma antiga! Mandou matar sua mãe, Agripina, e seu mestre Séneca e dezenas de amigos. Isso já no começo. Então casou-se com um homem, praticando relações sexuais à luz do dia, na presença de sua corte.

As demais loucuras, atrocidades e crime de Nero, todos as conhecem. Mas não podemos esquecer a noite de 19 de julho do ano de 64, quando ele mandou incendiar Roma e, depois, colocou a culpa nos cristãos.

Talvez fossem cerca de 200 cristãos, vestidos com túnicas impregnadas de pez negro, que queimavam como tochas vivas. Foi a primeira e mais terrível perseguição contra os cristãos e o testemunho de que, em Roma, já havia uma pequena comunidade, embora não se tenha registros históricos de seus fundadores - certamente não São Pedro, como mostrei nos artigos passados.

Finalmente, o povo se revoltou: invadiu o palácio e acabou com Nero. Sucedeu-lhe, primeiro, Galba, e, depois, Otão e Vitélio, tolos ineptos e corruptos, particularmente este último, que era também sádico e sanguinário.

Então Vespasiano tornou-se imperador (69-79 d.C). Era bondoso e condenava as crueldades de seus antecessores. Sucedeu-lhe Tito (79-81 d.C.), que o povo apelidou de "delícias do género humano". Quando morreu, o povo dizia: "Um imperador como este, ou nunca devia ter nascido ou devia viver para sempre".

Sucedeu-lhe Domiciano (81-96 d.C.), homem orgulhoso, fútil, avarento e cruel. Desencadeou a segunda perseguição contra os cristãos. O prazer de Domiciano era matar pessoas e dá-las aos cães para comer. Outra diversão desse monstro era mandar queimar os órgãos sexuais de amigos.

Foi assassinado. Sucedeu-lhe Nerva (96-98). O historiador Apolónio, que viveu nessa época, diz que Nerva era benévolo, generoso e modesto. Todos os historiadores romanos louvam e admiram Nerva, com o qual começa a dinastia antonina.

Nesses altos e baixos políticos a vida dos cristãos em Roma certamente sofria, mas não tanto para ficarem dispersos. Muito pelo contrário! Era uma comunidade pequena, mas muito unida.

Embora o período que foi do ano 70 ao ano 110 seja completamente obscuro quanto à história, podemos ter alguma notícia por meio de Ireneu e de Inácio. São notícias misturadas à ideologia do poder eclesiástico do qual os dois estavam, imbuídos. Mas quem nos fornece as melhores notícias é já a Arqueologia Paleo-cristã.

Tenho aqui â importantíssima obra de Giovanni Battista De Rossi: "Roma Sotterranea" (Roma Subterrânea), escrita entre os anos de 1864 e 1877.

Esse De Rossi, arqueólogo e epigrafista italiano (1822-1894), fez o levantamento topográfico das catacumbas de Roma; foi o criador da Epigrafia Cristã; organizou o Museu Cristão do Latrão e redigiu, a partir de 1863, o Boletim de Arqueologia Cristã, com a assistência da Comissão Vaticana de Arqueologia Sagrada.

Os túmulos que ele descobriu e os sarcófagos que ele descreveu nos apresentam os mais antigos símbolos, pinturas e objetos deste primeiro século de vida cristã.

Encontramos lá o alfa e o ómega (Deus, princípio e fim); muitas âncoras (a cruz da salvação); muitas palmas (a vitória sobre o paganismo); o cordeiro (o fiel do Cristo); o peixe, cujo acróstico, em grego, significa: "Jesus-Cristo-Filho-de-Deus-Salvador"; o pastor (o bom pastor da parábola); o pescador (Jesus em busca dos homens); o orante (a Igreja em oração); e muitas outras imagens.

Às vezes, a tampa do sarcófago tem cenas tiradas da mitologia e passíveis de uma interpretação espiritual: Orfeu enfeitiçando os animais (Cristo fascinando os alunos); Eros abraçando Psique (o amor celeste envolvendo o amor humano); Ulisses amarrado ao mastro para resistir ao canto das sereias (o cristão desdenhando o mundo profano).

Além dos sarcófagos, encontramos as pinturas rudimentais, sobretudo nos muros e nas abóbadas dos
cubículos e das criptas. São pinturas de cores suaves, amarelo-rosado com toques de verde-claro e sombras castanho-vermelhas, retratando cenas bíblicas ou evangélicas: Moisés batendo no rochedo; Daniel no fosso dos leões; Noé na sua arca; Abraão sacrificando Isaac; Lázaro ressuscitado; o paralítico sarado; Jesus disfarçado como pastor.

Isso tudo mostra o profundo respeito que os cristãos tinham pelos seus mortos: é a cristianização da antiga cultura do mediterrâneo. A cultura. Romana reverenciava os túmulos, que, por lei, deviam
ser preservados de qualquer mutilação, a fim de que as almas não se tornassem "errantes", como escreveu Plínio o Moço. Os cristãos só acrescentavam a essa cultura a ideia da ressurreição.

É por essas pinturas, que ainda hoje são visíveis nas catacumbas descobertas, que conhecemos o modo de orar dos primeiros cristãos; as roupas que vestiam, de acordo com o sexo; como era o "repartir do pão"; como era o batismo; o lugar daquele que presidia a comunidade e até alguns dos trabalhos exercidos pelos cristãos, em vida.

Da análise dessas esculturas e pinturas podemos concluir que os cristãos romanos dos primeiros séculos viviam dentro da cultura material romana. A única coisa que os distinguia dos romanos era a atitude perante o sexo e o casamento. (Veja: C. Munier; "L’Église dans 1'empire romain"; Paris; 1970; sobretudo o resumo: pág. 7-16. Veja também em: "Ética sessuale e Matrimônio nel cristianesimo delle origini"; Ed. Cantalamassa; Milano: 1976. O ensaio de P.F. Beatrice: "Continenza e matrimônio nel cristianismo primitivo"; 3).

Se, para os pagãos de Roma, o corpo era o instrumento do prazer; se, para os judeus, o corpo era o instrumento da continuidade da raça e a disposição para receber o Messias vindouro; para os cristãos o corpo era o instrumento para servir a comunidade e para dar guarida ao Espírito de Jesus.

Explica-se assim porque não são benquistas as segundas núpcias e, porque a comunidade se orientava para o celibato, que, além do mais, se tornava uma bandeira que os distinguia dos pagãos e dos judeus - talvez tenha influído nisto a expectativa da iminente vinda de Jesus "nas nuvens". Mas o celibato era adotado somente em idade madura, justamente pelos presbíteros (palavra grega que significa "anciãos").

Na chefia da vida cristã, encontramos aquele que ocupa o primeiro lugar: o bispo – palavra grega que significa vigilante.

Quem eram os bispos de Roma nos primeiros dois séculos? Existem catálogos completos e pormenorizados, mas não esqueçamos que a série de biografias dos papas é do "Liber Pontificalis" (o livro dos pontífices), cuja primeira parte, que vai até Felix IV, em 530, tem quase nenhum valor histórico: é o que pensa monsenhor Luis M.O. Duchesne, historiador eclesiástico católico (1843-1922) e professor do Instituto Católico de Paris que aplicou princípios histórico-críticos em suas pesquisas sobre os primeiros papas, pesquisa que reuniu no livro "Le Liber Pontificalis" (1886-1892).

De todos esses bispos romanos, o mais importante é Clemente romano (97-101) que, na sua carta aos Coríntios, lança a ideia da necessidade de organizar os cristãos, a exemplo do exército romano, com um chefe supremo (o bispo de Roma, claro!!!) e os chefes subalternos (os demais bispos) e, finalmente, a tropa bem organizada e obediente.

Essas ideias amadurecerão e, em 325, no Concilio de Nicéia, encontramos, como coisa normal, os bispos ao lado do imperador Constantino, colocando as bases da ideologia do poder eclesiástico.

Continua na próxima postagem desta seção...

Autor: Carlo Bússola, professor de Filosofia na UFES

Fonte: Publicado originalmente no jornal “A Tribuna” – Vitória-ES, numa série sob o título “Os Bispos de Roma e a Ideologia do Poder”.


Observação: Mantida a formatação original em todos os artigos, apenas os destaques visuais são por conta deste site.

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