31/08/2012

Sto. Agostinho: a Teologia Como Base do Poder Político Eclesiástico

No livro “A Cidade de Deus”, Agostinho dá a entender que a Igreja é a única representante de Deus na Terra
Para entender o pensamento de Sto. Agostinho lembramos uma particularidade histórica de valor fundamental: até o século IX ser bispo cristão ou mesmo ser um fiel cristão, não significava estar em comunhão com o bispo de Roma.

Essa "comunhão" é uma invenção muito tardia no cristianismo; além do mais, a autoridade e o valor eclesiástico de um bispo qualquer não eram maiores do que aquilo que tem um padre (vigário) qualquer da nossa cidade, com excepção do poder político do bispo de Roma que representava na Itália o imperador que vivia no Oriente.

Era-se cristão pela adesão aos decretos dos grandes concílios: de Nicéia (325) em primeiro lugar; mas também de Constantinopla (381) que tratou do Espírito Santo; de Efeso (431) que condenou o nestorianismo e o pelagianismo; de Calcedónia (451) que afirmou que Jesus tinha uma natureza humana e uma natureza divina unidas na única pessoa do verbo; e de Constantinopla II (553).

Os bispos eleitos costumavam escrever uns para os outros afirmando sua fé e lealdade aos decretos dos concílios. Os bispos de Roma faziam a mesma coisa: mandavam e recebiam cartas de outros bispos.

Daí o erro de muitos historiadores católicos que imaginam serem estas cartas romanas documentos comprobatórios do "primado": erro imperdoável porque distorce a verdade.
Voltemos a Sto. Agostinho (354-430) nascido no norte da África, numa terra que era uma mistura de raças (númida; púnica; romana) e uma mistura de religiões (orientais; egípcios; pagãos romanos e cristãos).

O "púnico" é a antiga língua da Fenícia cuja cultura sobrepujava em Cartago. Leia-se o interessante romance histórico "O Cartaginês" de Manáf Hardan; Ed. Edicon; SP; 1985.

Mas não deixe de ler também J. Mac Cabe: "St. Augustine and his Age"; London; 1926; onde se lê, à página 35, que Salviano, sacerdote cristão e teólogo, morto em Marsélia em 494, escreveu que "a África é a cloaca do mundo" e que Cartago é "a cloaca da África".

Apesar de ter nascido em Tagaste, foi em Cartago que Agostinho viveu até os 29 anos de idade quando se foi para Roma, onde lecionou Retórica por um ano, mas, não sendo pago pelos alunos, transferiu-se para Milão. O resto da história da sua vida, sua conversão ao catolicismo; sua volta à África; sua eleição a bispo é bem conhecida...

Mas é da sua influência no poder eclesiástico que agora quero falar.

Já no Concilio de Cartago, convocado em 411 pelo imperador Honório (e não pelos bispos!!!) para pôr fim à briga dos donatistas e seus 279 bispos, contra os 286 bispos católicos, notamos a posição de Agostinho: ele ensinava que sendo a Igreja Católica o "pai espiritual de todos os cristãos", ela tem o "direito de pai" para punir o filho desobediente e isso para o próprio bem dele (Epist. 173).

Quanto ao pensamento teológico de Agostinho, ele pode ser resumido em três pontos: primeiro, o universo e o homem no universo foram criados do nada; segundo, o homem é mau por sua essência; terceiro, a salvação do homem é puro dom gratuito de Deus.

Quanto ao primeiro ponto, Agostinho não conseguia conciliar a infinita pureza de Deus com a enorme "sujeira" da criatura toda mergulhada no sexo e nos vícios.

Portanto a criação devia estar "fora" de Deus, muito "fora". (O que filosoficamente é uma besteira porque pela definição do conceito, mesmo aproximativo, de Deus, não pode haver na Divindade um "dentro" e um "fora", já que Ela é tudo).

Quanto ao segundo ponto, é evidente que Agostinho era influenciado pela sua experiência psicológica negativa, de modo que projetava nos outros aquilo que ele achava em si mesmo.

Quanto ao terceiro ponto, parece que Agostinho antecede a doutrina calvinista de que Deus escolhe arbitrariamente desde a eternidade, o eleito a quem ele daria a graça da salvação (veja o "Sermão" 165).

Neste campo, seu grande adversário era Pelágio, um monge britânico que chegou a Roma no ano de 400 e defendia a tese contrária.

Houve muitos debates, muitos sínodos, muitas decisões e condenações e cada um ficou com suas ideias!

Mas o livro que resume seu pensamento filosófico e teológico é o "De Civitate Dei" (A Cidade de Deus) escrito entre 413 e 426. É uma obra que nasceu de um conflito pluricultural e num momento histórico muito triste: Alarico acabava de saquear Roma e os pagãos culpando os cristãos por faltarem aos antigos cultos e os cristãos de diferentes seitas acusando-se entre si.

Para escrever esse livro, Agostinho foi buscar em Platão a concepção de um Estado ideal que existiria "nalgum lugar, no céu"; foi buscar em São Paulo a ideia de uma comunidade viva de santos (Ef. 2,19); em Ticônio, que era donatista, buscou a doutrina das duas sociedades: uma de Deus, outra de Satanás.
Misturou tudo e ideou a cidade terrena onde os homens vivem para seus negócios, vícios e prazeres e a cidade divina que reúne os adoradores de Deus.

Que título haveria de dar ao livro? Marco Aurélio o ajudou (Meditações; 4,19): "Por que não chamar o mundo de bela cidade de Deus?" Só que Agostinho diz que a cidade de Deus teve início quando Deus criou os anjos e a cidade terrena quando os demónios se rebelaram (15,1).

Onde está hoje a cidade de Deus? Ela está na Igreja Católica, pois só ela pode identificar-se com a cidade de Deus (19,7 e 20,9).
Essa tese virou logo, logo, instrumento ideológico da política dos bispos de Roma que encontraram em "A Cidade de Deus" o fundamento ideológico de um Estado teocrático, o único que tem o direito de existir, enquanto os poderes seculares devem estar subordinados ao poder espiritual que só existe na Igreja Católica "romana".

Claro é que Agostinho não diz "romana". Foram os bispos de Roma que completaram esta idéia política. É esta a tese que mais entusiasmará Gregório VII, que, fundamentando-se nela, construirá, no século XII, o enorme império político dos bispos de Roma.

A verdade é que a tese de Agostinho foi desenvolvida aos poucos com a finalidade de tornar a Igreja de Roma uma verdadeira potência universal.

Infelizmente, desde então deu origem aos maiores abusos quanto à política e a muita violência durante toda a Idade Média, como iremos ver; isto porque a instituição espiritual e o conceito místico de "Cidade de Deus" se tornou uma verdadeira instituição jurídica política e financeira, que, como escreve H. Rohdin em "Filosofia Contemporânea" (v. II; pág. 22) "substituiu a força do espírito pelo espírito da força".

Mas se a Igreja Romana é a cidade de Deus na Terra, o seu clero pode viver em paz, gozando a vida. Explicam-se então os escritos de São Gerónimo contra os eclesiásticos romanos ("Epistucal"; 22,14):

"São reprováveis os eclesiásticos de cabelos encaracolados e perfumados que frequentam a alta sociedade e o padre que vive à caça de legados e de testamentos e se levantam logo ao romper do dia para visitar as mulheres antes de elas deixarem a cama".

Em "A Cidade de Deus" notamos que Agostinho desenvolveu suas idéias dentro de um contexto jurídico, pois se a Igreja Católica é a Cidade de Deus, então ela deve existir já nesta Terra e deve ser considerada uma sociedade jurídica com determinadas leis que tornem viável e sustentem a sua estrutura interna, externa e visível, mostrando e oferecendo o caminho para chegar ao reino de Deus, lá no Céu.

A idéia seguinte é que há uma Igreja visível que nasce de uma Igreja invisível. Tomás de Aquino e mais tarde o Concilio de Trento, no século XVI, desenvolverão estas idéias em favor da teocracia eclesiástica romana.

Jamais Agostinho imaginou (à diferença de Tomás de Aquino) que a Igreja romana tivesse o direito de punir com a morte os heréticos impenitentes (o que se fez na Inquisição).

Mas, enfim, mesmo que Agostinho jamais pensasse na Inquisição, é evidente que ofereceu o material teológico para que o bispo de Roma aprovasse a Inquisição.

Outra preciosidade que Agostinho ofereceu à Igreja de Roma foi a distinção entre "ex opere operantis" e "ex opere operantíl", que significa o seguinte: os sacramentos agem no cristão "ex opere operato" isto é: por si mesmos, ou seja, independente de estar o padre em graça ou em pecado ("ex opere operantis").

Ora, numa época de tanta imoralidade entre o clero (M. Lachatre; op. cit.; v.I; passim) nenhum fiel devia importar-se se o padre que lhe dava, por exemplo, o batismo, ou a confissão, era ou não pecador, porque o sacramento agia por sua conta, isto é: "ex opere operato": o padre era simples distribuidor.

Foi um presente e tanto para os eclesiásticos!

Entretanto, embora tendo oferecido armas valiosas aos eclesiásticos romanos, ninguém pense que ele fosse defensor do "Primado", ou, como diríamos hoje, defensor do papado. Muito pelo contrário! Nesses séculos o poder supremo do cristianismo residia nos concílios e isto continuou até o ano de 1870, quando o Concilio Vaticano I substituiu este princípio democrático pelo princípio ditatorial do primado romano e da infalibilidade papal.

O que pensaria Agostinho desta usurpação romana? Pegue o leitor a Petrologia Latina (Edição Migne; Paris; 1877; vol. V; pág. 479, ss.; número 76) e leia: o que Sto. Agostinho escreve de São Pedro apóstolo: "Porque tu, ó Pedro, me disseste: 'tu és o Cristo filho do Deus vivo' também eu te digo: 'Tu és Pedro', pois antes eras chamado Simão”.

“Esta é uma figura para que significasse a Igreja, porquanto a pedra é Cristo e Pedro é o povo cristão, pois pedra é o nome principal, tanto assim que Pedro vem de pedra e não pedra de Pedro, assim como o nome Cristo não vem de cristão mas cristão de Cristo.

“Diz, portanto, Jesus: “tu és Pedro e sobre esta Pedra que acabas de confessar, sobre esta Pedra que conheces-te dizendo: tu és o Cristo, filho do Deus vivo! Eu edificarei a minha Igreja. Quer dizer: sobre Mim, filho de Deus, Eu edificarei a Minha Igreja; sobre Mim é que Eu te edificarei e não a Mim sobre ti” (...); pois quando os homens queriam edificar sobre homens, diziam: “eu sou de Paulo; eu sou de Apolo; eu sou de Cefas...”

“Mas aqueles que não queriam edificar sobre Pedro, mas, sim, sobre a Pedra, dizem: “Eu sou de Cristo. Ora, quando o apóstolo viu que ele estava sendo eleito e Cristo desprezado, disse: porventura está Cristo dividido?

“Será que Paulo foi crucificado por vós? Ou fostes batizados em nome de Paulo? Assim não foram batizados em nome de Pedro e sim em nome de Cristo para que Pedro fosse edificado sobre a Pedra e não a Pedra sobre Pedro.

Neste trecho a ideia de Agostinho é clara: não é Pedro (e seus sucessores - que, aliás, Jesus nem sequer nomeia) que vale, e sim o Cristo e somente Ele.

Mas acontece que ninguém lê "A Cidade de Deus" à luz deste trecho! Por isso Agostinho continua sendo usado como respaldo da ideologia do poder eclesiástico romano.


Continua na próxima postagem desta seção...

Autor: Carlo Bússola, professor de Filosofia na UFES


Fonte: Publicado originalmente no jornal “A Tribuna” – Vitória-ES, numa série sob o título “Os Bispos de Roma e a Ideologia do Poder”.


Nota do IASD Em Foco

Agradecemos à distinta família do insigne Professor Carlo Bússola que, gentilmente, nos autorizou a republicar este riquíssimo material aqui no IASD Em Foco e, na série completa composta de 171 artigos, vamos colocar semanalmente este precioso acervo e legado, fruto de arguta e profunda pesquisa, à disposição dos fiéis leitores deste site. No entanto, lembramos, é vedada a republicação ou postagem deste material sem a expressa autorização dos editores deste site e, posterior, consulta à família do Professor Carlo Bússola – detentora e fiel depositária dos direitos autorais desta obra. Consoante a isso, lembramos ainda que o uso e/ou distribuição deste material – sob quaisquer formas – fora dos limites aqui expostos configura crime, sendo os infratores passíveis das penalidades previstas nas leis.

16/08/2012

PROJETO DA IGREJA CATÓLICA NA CRIAÇÃO DO ISLAMISMO




A Criação do Islam pelo Vaticano – Pelo Ex- Padre Alberto Rivera

Páginas 18 a 32 da Revista em Quadrinhos “Série Alberto Rivera Parte 6: O Profeta Maomé” com revelações do ex-Padre sobre o que aprendeu sobre a Origem do Islão.

Na página 32, primeiro quadro, é dito que Jerusalém cairá nas mãos dos Papas. Isso está de acordo com a doutrina adventista do sétimo dia sobre Daniel 11:40-45. Porém, quando o texto diz que o último papa será o anticristo, não está de acordo com a doutrina da denominação adventista do sétimo dia, embora muitos adventistas tenham pensamentos semelhantes. A Doutrina adventista ensina que Lúcifer se transformará em Jesus Cristo. Obviamente a aparição do falso Cristo visa fortalecer o poder do último Papa, sendo irrelevante se esse Papa será ou não também Lúcifer ou algum assecla transformado. Judas Iscariotes foi possuído por Satanás em um momento específico. Talvez o mesmo se dê com o último Papa. Possuído indiretamente pelas legiões de anjos caídos, estará totalmente influenciado a ir a guerra contra os santos. (E em um momento que o Espírito Santo terá se retirado dos maus).

Texto usados no raciocínio:

Entrou, porém, Satanás em Judas, que tinha por sobrenome Iscariotes, o qual era do número dos doze.
Lucas 22:3.

O mundo está cheio de tempestade, guerra e contenda. Contudo, ao mando de um chefe – o poder papal - o povo se unirá para opor-se a Deus na pessoa de Suas testemunhas. Essa união é cimentada pelo grande apóstata. Testemunhos Seletos, vol. 3, pág. 171.

13/08/2012

"Mors Tua Vita Mea"

Sobre as cinzas do império romano, nasce e cresce o poder político do bispo de Roma

“Mors tua vita meã” (era necessária a tua morte para que eu pudesse ter yida). Nunca um ditado semítico (aliás, também bíblico) expressou tão bem a sorte do cristianismo romano: foi necessário que o império político romano morresse, para que, de suas cinzas, nascesse o império eclesiástico romano, isto é: foi necessário que os bárbaros invadissem o império e a província da Itália e que Constantino transferisse a capital para Bizâncio para que, desta dupla situação, se aproveitasse o bispo de Roma e realizasse novos passos em direção ao poder político eclesiástico.

Três acontecimentos que mudaram a história do mundo: os bárbaros invasores; a conversão de Constantino; Bizâncio, a nova Roma.

Gibbon, que muitos apontam como o maior dos historiadores, em "Decline and Fall of the Roman Empire" (Ev. Library; v.I; pág. 274) sustenta que a causa da queda de Roma foi o cristianismo, que teria destruído a velha fé, que dava caráter e vitalidade à alma romana...

Ora, nunca foi dita besteira maior! A verdade é que o cristianismo cresceu com tanta rapidez justamente porque Roma estava morrendo! Estava morrendo porque o Estado romano defendia os ricos contra os pobres; fazia guerras para obter escravos; punha taxas exorbitantes sobre o trabalho, para sustentar o luxo dos "patrícios".

Porque nunca soube proteger o povão (que era cerca de três quartos da população) contra a fome, contra a peste e as invasões dos bárbaros.

Se o cristianismo teve tão grande número de prosélitos e tão depressa, é porque era um seguro de vida na pobreza, na doença e na morte. (Veja: E. Fromm; "O dogma de Cristo"; Zahar. Ed.; Rio; 1978; todo o capítulo II e III).

Nunca os romanos haviam encontrado tanto respeito e tanta segurança, inclusive a segurança de um pão... como no cristianismo. (E será por causa disso que o povo romano não dará grande importância às imoralidades de seus bispos e padres!).

As causas económicas do declínio de Roma aparecem de maneira trágica com Diocleciano: a falta de novos escravos para os latifúndios que se tornavam improdutivos; o tráfico, sempre mais perigoso, prejudicava o abastecimento, com a consequente perda de mercadorias e de mercados; guerra sem fim entre ricos e pobres; o enorme custo do exército, cujos soldados não sentiam mais o gosto das vitórias, pois andavam cansados de décadas a fio de lutas inúteis; a inflação da moeda e a emigração do capital e do operariado; o sistema servil e escravocrata da agricultura e a eterna e enorme burocracia, sem falar da desintegração moral, que começou com a conquista da Grécia e foi crescendo até os dias de Nero.

Se houve uma melhora na moral romana, isto se deve à influência do cristianismo. Não foi por acaso que os cristãos romanos eram tão rígidos quanto ao sexo e ao casamento.
As ideias de Gibbon já estão há muito superadas! Veja: R. Mc Mullen: "Paganism in the Roman Empire"; Yale; 1901; passim. Veja também: P. Veyne: "Le pain et le cique"; Ed. Du Senil; Paris; 1976. Veja também: W. Lecky: "History of European Morais from Augustus to Charle-Magne"; Londres; 1869. Veja também A.H.M. Jones: "The later Roman Empire"; Ox¬ford; 1964; sobretudo o II volume.

O mesmo Will Durant, grande admirador de Gibbon, além de não concordar com o mesmo Gibbon conclui: "As causas políticas da decadência do império romano enraizavam-se num fato: o crescente despotismo destruía o senso cívico dos romanos, estancando o estadismo em suas fontes" (História da Civilização"; vol. VI; pg. 361, epílogo).

Então cita Montesquieu: "Patriotismo e religião pagã nasceram e cresceram juntos e, agora, juntos morriam". ("Grandeur et decadence des Romains"; Paris; 1924; pg. 36).

Essa digressão foi necessária, porque uma coisa é o cristianismo como mensagem de Jesus; e outra coisa é o cristianismo como meio para alcançar o poder político.

Constantino se apercebeu logo que o cristianismo, enquanto mensagem de Jesus, era algo de sério... tão sério que ele preferiu receber o batismo poucas horas antes de morrer, para não ter que submeter-se a uma moral tão rígida...

Mas, enfim, no ano de 330, ele levou a capital para Bizâncio, onde fundou Constantinopla, que se tornou o ponto estratégico de onde ele poderia vigiar os movimentos das hordas dos bárbaros que faziam pressão nos confins do império.

Todavia, ninguém pense que os bispos de Roma, com seus padres, fossem pessoas humildes e pobres. O historiador pagão Ammiano Marcelino, de origem grega (330-400 d.C), considerado o continuador de Tácito e o único historiador crítico da sua época, em seus "Rerum Gestarum Libri XXXI" (trinta e um livros de feitos) escreve a propósito do bispo de Roma e de seus padres:

"Eles têm vida boa porque se enriquecem com os donativos das damas importantes e exibem suas riquezas com trajes de requintes, oferecendo jantares tão copiosos que seus banquetes eclipsam a mesa dos reis e, no entanto, poderiam realmente ser reverenciados, sem ter como desculpa a grandeza da cidade de Roma. Mas eles alegam a grandeza de Roma como desculpa de seus vícios e preferem isto ao fato de viver como certos bispos de província que, pela extrema simplicidade no beber e no comer e pelas vestes modestas e atitudes humildes, agradam ao Deus eterno como homens puros e veneráveis". (É o poder económico que sempre precede o poder político: este já está às portas).

S.M. Pellistrandi em "O Cristianismo Primitivo" (Ed. Ferni; RJ; 1978; pág. 345) escreve: "Observemos os celebrantes bem no fundo da nave da igreja. Os diáconos vestem por cima das túnicas a dalmática com longas mangas debruadas e galões escuros como os de hoje. Além disso, a tonsura e as sapatetas negras que usam todas as pessoas de categoria. Sobre a dalmática, o bispo veste a ampla casula e, sobre ela, o pálio, que é o manto do comando. Trajados desta maneira e rodeados do conforto, adquirido através da proteção dos imperadores, dos poderosos e da generosidade dos ricos, os membros do clero muitas vezes provocam inveja".

O autor deste trecho conclui, à página 348: "Pois que o luxo e a corrupção invadiram a antiga cidadela da Igreja primitiva. Todos aqueles que querem viver o ideal heróico de outrora começam o êxodo para o deserto. Nesse retorno às fontes, os monges do deserto substituem um martírio tornado impossível, pela renúncia e pela mortificação".

O monasticismo aparece no Egito, com António, nos meados do século IV, justamente quando o bispo de Roma procura uma entrada para o poder político que não tardará a vir.

Mas há também uma lenda, que diz que, na hora em que Constantino doou o palácio do Latrão a Silvestre, bispo de Roma, juntamente com alguns pedaços de terras, veio do céu uma voz que disse: "Hoje entrou na Igreja o veneno!". Mas Silvestre estava disposto a beber o veneno, mas não a perder uma oportunidade política tão preciosa.

Com Constantino em Bizâncio, a Itália ficava nas mãos do bispo de Roma. Não é exagero. Com Constantino, a jurisdição episcopal diocesana entra numa nova fase: sob a forma de "episcopolis audientia".

Isto significa o seguinte: em 318, Constantino reconhece a jurisdição episcopal em questões civis, no âmbito estatal ("Código de Teodósio", 1, 27, 1).

Mas, antes de examinar este fato tão importante, vejamos o fim da história de Constantino e a história de Teodósio e Justiniano, os três imperadores romanos que mais se comprometeram com o cristianismo.

Constantino recebeu o batismo com a idade de 67 anos, em 337, quando estava para morrer. Então, houve uma série de imperadores inúteis. O mais importante foi Teodósio (347-v; 395), que, em lugar de combater os bárbaros invasores, quis aproveitar-se dessas forças e deixá-los instalar-se no império como federados, ou como soldados no exército romano.

Teodósio tomou o partido do Concilio de Nicéia e quis continuar a política de Constantino com referência ao cristianismo. Aliás, fez muito mais: inseriu a hierarquia eclesiástica nos quadros civis (381).

Então aconteceu a verdadeira mudança na história do império e do cristianismo. A ideologia do poder eclesiástico agora tinha feições políticas.

Com a morte de Teodósio, o filho Honório se tornou imperador do Ocidente (395-423) e o filho Arcádio imperador do Oriente.
Mas Honório se mostrou incapaz de frear as invasões dos bárbaros. Primeiro, Alarico, depois Genserico e Átila, que foram, enfrentados não pelo imperador e seu exército, mas pelo bispo de Roma Leão I (440-461).
Outro imperador romano foi Justiniano (482-565), que, para agradar ao bispo de Roma Felix IV (525-530), mandou fechar, em 529, a última escola de Filosofia livre de Atenas. De agora em diante, só é permitido o comentário da Bíblia e dos evangelhos feito pelos eclesiásticos. A Igreja e o império não precisam de filósofos, de gente que pensa; mas de gente que obedeça.

O conhecimento não será mais racional, mas fideísta. É a partir disso que os intelectuais se revoltam. É a partir dessa época que encontramos as raízes do ateísmo moderno: um subproduto do cristianismo político.

Continua na próxima postagem desta seção...

Autor: Carlo Bússola, professor de Filosofia na UFES


Fonte: Publicado originalmente no jornal “A Tribuna” – Vitória-ES, numa série sob o título “Os Bispos de Roma e a Ideologia do Poder”.


Nota do IASD Em Foco

Agradecemos à distinta família do insigne Professor Carlo Bússola que, gentilmente, nos autorizou a republicar este riquíssimo material aqui no IASD Em Foco e, na série completa composta de 171 artigos, vamos colocar semanalmente este precioso acervo e legado, fruto de arguta e profunda pesquisa, à disposição dos fiéis leitores deste site. No entanto, lembramos, é vedada a republicação ou postagem deste material sem a expressa autorização dos editores deste site e, posterior, consulta à família do Professor Carlo Bússola – detentora e fiel depositária dos direitos autorais desta obra. Consoante a isso, lembramos ainda que o uso e/ou distribuição deste material – sob quaisquer formas – fora dos limites aqui expostos configura crime, sendo os infratores passíveis das penalidades previstas nas leis.

04/08/2012

Constantino a Teodósio: Mais Poder aos Bispos

O imperador Constantino é o verdadeiro fundador da ideologia do poder eclesiástico


Até o Concilio de Nicéia (325), o poder dos bispos é ainda espiritual, mas com tendências políticas e económicas simuladas na atenção carinhosa para com o imperador Constantino, que, em 313, mediante o Edito de Milão, notificou indiretamente este poder.

Em 325, Constantino amarra a si numa forma sútil, e na esteira de muitas regalias, todos esses bispos. Mas ninguém pense que o imperador fosse cristão! Podemos ler em "Historiae Augustae" (Loeb Library seyerus Alex"; 51) que, na sua corte gaulesa Constantino "vivia rodeado de filósofos pagãos" e, mesmo depois de Nicéia, pouco se interessou por problemas religiosos e muito menos por diferenças teológicas.

O que ele queria era a unidade dos bispos cristãos, pois havia percebido que eles eram o maior instrumento político de que então ele podia dispor para realizar a monarquia absoluta e o fato de colocar o correio do império a serviço deles era já um destes meios para realizar seus planos.

Como era a Roma cristã nos séculos III e IV? O único bispo desta época que possa interessar à história cristã é Silvestre I. Mas, antes dele, a História – lembra Dinis, que nasceu na Grécia e foi bispo de 259 a 268.

Nesses anos, foi condenado Paulo de Samosata, aquele do trono - com o dossel, que, embora bispo, dizia que Jesus era um simples homem e não Deus.
Em 270, morreu também Plotino, o fundador do Neoplatonismo, que, como Sócrates e Platão, afirmava que qualquer pessoa, pela simples luz da razão, podia elevar-se até Deus, que, contrariamente ao que pregavam os cristãos, não tinha forma alguma, nem podia ser definido por palavras humanas.

Plotino era contrário a todas as seitas cristãs, principalmente os gnósticos, que acreditavam em espíritos e demónios secundários. Antes de morrer, disse aos seus discípulos: "Vou reunir o que existe de divino em mim com o que existe de divino no universo" (veja meu livro: "Plotino e a alma no tempo", Ufes - F.C.A.A.; 1990).

Então veio Felix I, que foi bispo de Roma de 268 e 274. Homem bom, mas de nenhuma importância política. Mais importante é o que aconteceu com o bispo Eutiquiano (275-283), quando apareceu em Roma a religião de Manes que, nesta época, fundou no Oriente o Maniqueísmo.

Manes ensinava que existiam dois princípios opostos: um, autor da luz e de tudo o que é bom; outro, autor das trevas, da matéria e do mal. Falava de si como sendo o Espírito Santo enviado por
Jesus. Ensinava que Jesus só tinha aparências humanas.

Manes dizia que a matéria, os corpos, os reis, os magistrados e outros seres, eram criações do princípio mau. Por isso, ele proibia os casamentos e as guerras assim como comer carne e beber vinho.

Manes dizia que Jesus era o Sol. Este ponto é que nos interessa, porque, até o fim de sua vida, Constantino adorou o Sol como seu Deus e é nesta época que os cristãos começam a chamar Jesus de "Christus Sol" como que para agradar Constantino.

Paulus Osórius, sacerdote e historiador espanhol, escreveu, no ano de 416 d.C, uma "História Universalis" (que evidentemente só podia compreender o império romano) em sete livros e em língua latina. Pois bem, eis o que ele escreve ainda no primeiro livro, quanto às condições do império: "Os exércitos dispunham, à vontade, do poder supremo e os chefes militares apoderavam-se alternadamente do poder supremo (...). Foi no execrável reinado destes tiranos que todos os males caíram a um tempo sobre o império: a Bretanha foi subjugada pelos calcedónios e pelos saxões; a Gallia, pelos Francos, alemães e borguinhões; a Itália, pelos alemães, suevos, quados e marcomanos; a Macedónia, a Média e a Trácia pelos Godos, Hérulos e Sármatas; os persas invadiram a costa da Síria.
Finalmente, a guerra civil, a fome, a peste, arruinavam as cidades e aniquilavam as populações que tinham escapado ao ferro dos bárbaros. As cidades foram arrasadas por terremotos que duravam dias; o mar saiu do seu leito e inundou províncias inteiras. Em Núbia, na Acaia e em Roma, a terra abriu-se e engoliu campos e casas. A peste matava diariamente milhares de homens".

Mesmo dando um desconto de 50%, este relato dá para pensar...
Hérmias Sozômenos, que morreu na Palestina em 443 d.C, escreveu uma História Eclesiástica que não é diferente desta acima citada.

Mas os únicos que não se impressionavam com a situação geral eram os bispos e os padres.

Escreve Eusébio, na sua "História Eclesiástica", a propósito do estado social e religioso do fim do III século e começo do IV:

“A doutrina de Jesus Cristo era muito estimada e glorificada entre os gregos e bárbaros. A Igreja gozava de

01/08/2012

O PODER CENTRADO NO BISPO

A ideologia do poder eclesiástico romano começa com Clemente I, bispo de Roma

A tradição atribui ao bispo de Roma, Clemente 1, toda uma série de escritos sobre a doutrina e sobre a disciplina cristã, e a mesma tradição diz que foi Clemente I que teve a idéia de reunir todos esses escritos de caráter eclesiástico juntamente com a memória referente ao apóstolo Pedro.

(Atenção: trata-se de tradição e não de provas históricas objetivas!).

Também quando alguém quis redigir as famosas "Constitutiones Apostólicas", diz a tradição que foi Clemente I quem se incumbiu da tarefa. Parimente, quando Hermes escreveu o "Pastor", é novamente Clemente que manda todos os livros cristãos aparecidos em Roma, aos outros bispos, pressionando-os a aceitá-los.

Este verbo "pressionando-os" é bastante forte, mas exprime bem o estilo do missivista romano (fosse quem fosse!). Com efeito, tudo o que Clemente escreveu (supondo que seja ele o autor) tem um estilo autoritário: é com autoridade que, a cada página, ele recomenda que se obedeça à hierarquia eclesiástica, isto é, padres e bispos.

Sente-se que Clemente é bispo em Roma, a cidade imperial que reflete seu poder naquela igreja, cujo chefe e senhor é o bispo. Dizem alguns historiadores que Clemente era da família Flavia, que já deu três imperadores: Vespasiano, Tito e Domiciano e, portanto, carregava no sangue o autoritarismo... Se isso fosse verdade, seria explicado seu estilo de escrever, pois escreve como o comandante-chefe.

Na sua carta aos Coríntios, há um trecho que nos diz tudo: "Olhemos os soldados que servem os nossos soberanos; com que ordem, com que pontualidade, com que submissão executam o que lhes é comandado"!!! "Com que submissão"!

Segundo uma linha histórica ininterrupta de dois mil anos, chegamos ao ano de 1937, quando Pier Costante Righini, diretor nacional da Juventude Católica Italiana, me levou a Roma para ver o Papa.

Eu tinha 13 anos e não entendia nada do que Pio XII dizia, a não ser uma frase que até hoje ressoa na minha memória: "A igreja não precisa de gente que pensa: ela precisa de gente que obedeça".

É a submissão de que fala Clemente, bispo de Roma!

Para Clemente, o exército romano é o único modelo de como deve ser a Igreja Cristã: obedecer, cada um em seu lugar. Obedecer a quem? Aos bispos, claro!

A palavra obedecer era muito forte numa época em que as comunidades unidas ao redor de seus "presbíteros" formavam uma família que ainda se reunia no cómodo mais amplo de uma casa.

Houve muitos protestos de bispos. Só de bispos. A comunidade havia colocado sua autoridade nas mãos dos anciãos (presbíteros), mas o corpo presbiterial já se resumia numa só pessoa: o bispo.

(Mais tarde, os bispos irão aniquilar-se numa só pessoa: o papa - mas ainda faltarão alguns séculos).

Deste modo, parece claro que a criação do poder episcopal é obra do segundo século, já que a absorção da Igreja pelos presbíteros aconteceu antes do fim do primeiro século.
Outra coisa que intriga na carta de Clemente é a ideia de que o presbiterado é anterior ao povo cristão. Lemos ainda na carta de Clemente: "Todos os órgãos do corpo conspiram e obedecem a um princípio fixo de subordinação pela conservação do todo".

E assim nasceu o conceito jurídico de hierarquia eclesiástica, fundamentado na exigência da "conservação do todo", algo que nem São Paulo imaginava quando fez o elenco dos carismas entre os cristãos.

Assim, a ideia de São Paulo (que sempre se sentiu livre e independente perante os apóstolos), como, de resto, a ideia de Jesus, isto é, de uma assembleia (Igreja) de gente livre, parecia agora uma utopia anárquica inútil para o futuro.

Bem escrevia Renan em "As origens do cristianismo"; v.5°; pág. 183: "Com a liberdade evangélica havia a desordem, mas não se previu que, com a hierarquia, ter-se-ia no futuro a uniformidade e a morte".

Mesmo colocando-se alguns bispos contra as ideias de Clemente, não conseguiram impedir o alastramento de suas ideias contidas na sua carta.

Apareceram então, por volta do ano 170 d.C, uma serie de cartas (de Inácio?) que ansiavam pela organização da autoridade episcopal.

Fazia tempo que os bispos sentiam a necessidade de organizar-se, já que Jesus não voltava "nas nuvens" como havia prometido (ou como eles imaginavam que Ele tivesse prometido).

Uma família composta de uma dúzia de pessoas consegue organizar-se no amor. Mas uma dúzia de famílias só dá certo quando houver uma organização clara e definida.

Traduzindo este conceito em termos eclesiásticos, significa que, se os poderes dos bispos e dos presbíteros emanassem da própria assembleia dos fiéis, a Igreja perderia seu caráter de hierarquia teocrática.

E assim, aos poucos, sem solavancos psíquicos ou sociais, o clero falará em nome do Senhor Jesus à assembleia e em nome da assembleia ao Senhor Jesus... e ninguém se apercebeu, lá no segundo século, que agora quem mandava era o bispo e não o Senhor Jesus.

É o que acontece todo dia num condomínio em que os proprietários delegam ao síndico todo o serviço do prédio, dando graças a Deus que haja alguém para a tarefa. O voto deliberativo torna-se voto simbólico, até o dia em que não há mais nada para votar, pois o sindico "é pessoa de confiança" e "sabe o que faz" e, de fato, agora é ele que faz tudo.

Então surgiu o costume de os presbíteros e de os epíscopos sentarem no primeiro lugar. Depois veio a ideia de colocar um ou dois estrados debaixo da cadeira episcopal “unicamente para poder ver o rosto de todos os fiéis”. Depois a cadeira foi substituída pelo trono episcopal.

Paulo de Samosata, bispo de Antioquia, foi o primeiro a usar esse trono com o dossel e o bispo de Roma começou a colocar ao lado de seu nome a palavrinha "pa. pa." que significa "pater patrum', ou seja, pai dos pais, pastor dos pastores, bispo dos bispos.

Isso foi em 389 com o bispo de Roma Sirício e com a permissão do imperador Teodósio. Enquanto isso, estabeleceu-se que só o bispo podia celebrar a santa ceia, segundo uma carta de Ireneu ao bispo de Roma Vitor (Eusébio; "-Hist. Ecles."; V; XXIV; 17).

Então, o bispo foi o único "Senhor" (dominus) da Igreja local, tendo ao seu lado um conselho de presbíteros e de diáconos.
O que valia agora não era mais a comunidade dos fiéis que o havia eleito, mas a imposição das mãos que lhe dava o título e a herança apostólica de "epíscopo" (bispo).
Hegesipo é um escritor cristão que, na segunda metade do II século, escreveu sobre as origens do cristianismo. Ele nos interessa muito porque nas suas viagens, ele só procura e interroga os bispos: para ele, a Igreja é só o bispo (veja: Eusébio; "Hist. Ecl"; IV; XXII; 1-3); não o bispo de Roma, mas cada bispo em sua Igreja. Hegesipo sabia que agora não existia mais a primitiva igualdade cristã, mas que a Igreja era propriedade de um "dominus" chamado bispo.

E, na verdade, por quanto este novo cristianismo pareça antidemocrático, será esta nova organização que disciplinará a anarquia, pois colocará cada bispo em sua diocese com todo o poder.

Jesus havia inoculado em seus discípulos o espírito de fraternidade, onde todos estavam dispostos a renunciar às suas ideias e desejos de serem os primeiros no "reino". Jesus havia repetido que "o primeiro de vós, seja o servidor de todos". Com o bispo de Roma, Clemente I, tudo isto foi deixado de lado para alcançar a organização necessária para impor-se ao mundo pagão.

Clemente I (Epist. I; c. 42-44) considera o episcopado como sendo o único herdeiro dos poderes apostólicos. Deste modo, com ele começa a ideologia do poder eclesiástico, uma vez que os sacramentos e a graça divina que eles conferem são privilégios que o Céu deposita nas mãos da hierarquia eclesiástica.

Foram as Igrejas paulinas que pegaram logo esta ideologia. Trechos das cartas de São Paulo eram agora interpretados como uma premissa da constituição da hierarquia, uma vez que frequentemente insistiam no respeito pela autoridade dos presbíteros.

Então inventaram-se mais três epístolas: a Tito e a Timóteo, que foram atribuídas a São Paulo, para fundamentar a ideologia do poder eclesiástico.
São três pequenos tratados sobre os deveres eclesiásticos e sobre a grandeza do episcopado: "grande coisa é o episcopado!" (I Tim. 3 e Tito, 1).

Clemente I encontrou aqui tudo aquilo que estava procurando, sob o selo e a garantia da divina inspiração. As Igrejas judeu-cristãs (sabemos pela História) tornaram-se quase uma sinagoga e nelas o clericalismo não deitou raízes.

Mas já não é o caso da Igreja de Roma, na primeira metade do III século, quase logo após o "reinado" de Clemente I: "No ano de 248, a Igreja de Roma dispõe de um clero de 155 membros e mantém cerca de 1.500 viúvas e pobres.

Tal grupo, independentemente dos religiosos regulares, é tão numeroso como a mais importante corporação da cidade. E, na verdade, um grupo enorme, numa cidade em que as agremiações culturais e as confrarias funerárias contam seus membros às dúzias.

Mais revelador, talvez, o papa Cornélio apresenta essas estatísticas impressionantes como uma das justificações de seu direito a ser considerado o bispo da cidade.

(...) É a essa Igreja conduzida com firmeza por tais dirigentes que Constantino, em 312, confere uma posição inteiramente pública, que se revelará decisiva e irreversível ao longo do século IV". (V.V.A.A.; "História da vida privada"; Comp. das Letras; 58; 1990; V.I.; pg. 260).


Autor: Carlo Bússola, professor de Filosofia na UFES

Fonte: Publicado originalmente no jornal “A Tribuna” – Vitória-ES, numa série sob o título “Os Bispos de Roma e a Ideologia do Poder”.