24/01/2013

FOI SÃO PEDRO BISPO EM ROMA?

Não existem documentos históricos da época que atestem que Pedro foi bispo em Roma

O dogma católico é claro: "É objeto de fé católica que por vontade de Jesus, Pedro devia ter perpetuamente um sucessor no cargo de pastor supremo e este sucessor é o bispo de Roma". (B. Bartmann; "Teologia Dogmática" vol. II; Ed. Paulinas; SP; 1964; pág. 481).

Com efeito, o Concilio Vaticano I decretou isto na sessão 4, C.2. Este decreto inclui um ponto dogmático: que o apóstolo Pedro sempre terá um sucessor; e um ponto histórico: que o bispo de Roma é o sucessor de São Pedro.

Os teólogos [católicos] provam o primeiro ponto pelo fato de que a Igreja de Jesus, sendo eterna, terá eternamente alguém que cuide dela e este só poderá ser o sucessor de São Pedro. Também os teólogos provam o segundo ponto

10/01/2013

MÁRTIRES CRISTÃOS - HISTÓRIA DA PERSEGUIÇÃO NA BOÉMIA


Os pontífices romanos, que tinham usurpado o poder sobre várias igrejas, foram particularmente severos com os boémios, até ao ponto de lhes enviar dois ministros e quatro laicos a Roma, no ano 997, para obterem reparações do Papa. Depois de alguma tardança, foi-lhes concedida sua petição, e reparados os danos. Permitiram-lhes duas coisas em particular: ter o serviço divino em sua própria língua, e que o povo pudesse participar do vinho no sacramento.


Apesar disso, as disputas voltaram a renascer, tentando os seguintes Papas por todos seus médios impor-se sobre as mentes dos boémios, e estes, animadamente, tratando de preservar suas liberdades religiosas.

No ano 1375, alguns zelosos amigos do Evangelho apelaram a Carlos, rei da Boémia, para que convocasse um Concílio Ecuménico para fazer uma indagação dos abusos que tinham-se introduzido na Igreja, e para efetivar uma reforma plena e exaustiva. O rei, que não sabia como proceder, enviou ao Papa uma comunicação pedindo-lhe conselho acerca de como agir; mas o pontífice sentiu-se tão indignado ante este assunto que sua única resposta foi: “Castigai severamente a estes desconsiderados e profanos hereges”. O monarca, portanto, desterrou a todos os que estavam implicados nesta solicitude, e, para agradar o Papa, impus um grande número de restrições adicionais sobre as liberdades religiosas do povo.

As vítimas da perseguição, não obstante, não foram tão numerosas na Boémia senão até depois da queima de John Huss e de Jerónimo de Praga. Estes dois eminentes reformadores foram condenados e executados a instigação do Papa e de seus emissários, como o leitor verá pela leitura dos seguintes breves bosquejos de suas vidas.

A perseguição de John Huss
John Huss nasceu em Hussenitz, um povoado de Boémia, por volta do ano 1380. Os seus pais lhe deram a melhor educação que lhes permitiam as circunstâncias; e tendo adquirido um bom conhecimento dos clássicos numa escola privada, passou à universidade de Praga, onde logo deu provas de sua capacidade intelectual, e onde se destacou por sua diligencia e aplicação ao estudo.


Em 1398, Huss alcançou o nível de bacharel em divindade, e depois foi sucessivamente escolhido pastor da Igreja de Belém, em Praga, e decano e reitor da universidade. Nestas posições cumpriu seus deveres com grande fidelidade, e ao final se destacou de tal modo por sua predicação, que se conformava com as doutrinas de Wycliffe, que não era possível que pudesse fugir à atenção do Papa e de seus partidários, contra os que predicava com não pouca aspereza.


O reformista inglês Wycliffe havia acendido de tal modo a luz da reforma, que começou a iluminar os cantos mais tenebrosos do papado e da ignorância. Suas doutrinas se espalharam pela Boémia, e foram bem recebidas por muitas pessoas, porém por ninguém tão particular como por John Huss e seu zeloso amigo e companheiro de martírio, Jerónimo de Praga.

O arcebispo de Praga, ao ver que os reformistas aumentavam a diário, emitiu um decreto para suprimir a dispersão contínua dos escritos de Wycliffe; no entanto, isto teve um efeito totalmente contrário ao esperado, porque serviu de estímulo para o zelo dos amigos destas doutrina, e quase toda a universidade se uniu para propagá-las.


Estreito aderente das doutrinas de Wycliffe, Huss se opus ao decreto do arcebispo, que contudo conseguiu uma bula do Papa, que lhe encarregava impedir a dispersão das doutrinas de Wycliffe em sua província. Em virtude desta bula, o arcebispo condenou os escritos de Wycliffe; também procedeu contra quatro doutores que não tinham entregado as cópias daquela teologia, e lhes proibiram, apesar de seus privilégios, anunciar a consagração alguma. O doutor Huss, junto com alguns outros membros da universidade, protestaram contra estes procedimentos, e apelaram contra a sentença do arcebispo.

Ao saber o Papa da situação, concedeu uma comissão do cardeal Colonna, para que citasse a John Huss a comparecer pessoalmente na corte de Roma, a fim de responder a acusação que tinha sido apresentada em sua contra de predicar erros e heresias. O doutor Huss pediu ser escusado de comparecer pessoalmente, e era tão favorecido na Boémia que o rei Wenceslau, a rainha, a nobreza e a universidade pediram ao Papa que dispensara seu comparecimento; também que não deixasse que o reino de Boémia estiver sob acusação de heresia, senão que lhes for permitido predicar o Evangelho com liberdade em seus lugares de culto.


Três procuradores compareceram ante o cardeal Colonna em representação do doutor Huss. Trataram de escusar a sua ausência, e disseram que estavam dispostos a responder em seu lugar. Mas o cardeal declarou contumaz a Huss, e por isso o excomungou. Os procuradores apelaram ao Papa, e designaram a quatro cardeais para que examinassem o processo. Estes comissionados confirmaram a sentença, e estenderam a excomunhão não só a Huss senão também a seus amigos e seguidores.

Huss apelou contra esta sentença a um futuro Concílio, porém sem êxito; e apesar da severidade do decreto e da conseguinte expulsão de sua igreja em Praga, se retirou a Hussenitz, sua cidade natal, onde continuou propagando sua nova doutrina, tanto desde o púlpito como com sua pluma.

As cartas que escreveu nesta época foram muito numerosas; e recopilou um tratado no qual mantinha que não se podia proibir de forma absoluta a leitura dos livros dos reformistas. Escreveu em defesa do livro de Wycliffe acerca da Trindade, e se manifestou abertamente em contra dos vícios do Papa, dos cardeais e do clero daqueles tempos corruptos. Escreveu também muitos outros livros, todos os quais redigiu com uma força argumentativa que facilitava enormemente a difusão de suas doutrinas.

No mês de novembro de 1414 se convocou um Concílio geral em Constança, Alemanha, com o único propósito, como se pretendia, de decidir entre uma disputa que estava então pendente entre três pessoas que contendiam pelo papado; porém seu verdadeiro motivo era esmagar o avanço da Reforma.
 
John Huss foi chamado a comparecer diante deste Concílio; para alentá-lo, o imperador lhe enviou um salvo-conduto. As cortesias e inclusive a reverência com que Huss se encontrou pelo caminho eram inimagináveis. Pelas ruas que passava, e inclusive pelas estradas, se aglomerava a gente as quais o respeito, mais que a curiosidade, levava até lá.

Foi levado à cidade em meio de grandes aclamações, e se pode dizer que passou pela Alemanha em triunfo. Não podia deixar de expressar sua surpresa ante o tratamento que lhe dispensavam. “Pensava eu (disse) que era um proscrito. Agora vejo que meus piores inimigos estão na Boémia”.

Tão logo como Huss chegou a Constança, tomou um alojamento numa parte afastada da cidade. Pouco depois de sua chegada, veio um tal Stephen Paletz, quem tinha sido contratado pelo clero de Praga para apresentar as acusações em sua contra. A Paletz se uniu posteriormente Miguel de Cassis, de parte da corte de Roma. Estes dois se declararam seus acusadores, e redigiram um conjunto de artigos em contra dele, que apresentaram ao Papa e aos prelados do Concílio.

Quando se soube que estava na cidade, foi arrestado imediatamente, e constituído prisioneiro numa câmara do palácio. Esta violação da lei comum e da justiça foi observada em particular por um dos amigos de Huss, quem aduziu o salvo-conduto imperial; porém o Papa replicou que ele nunca tinha concedido nenhum salvo-conduto, e que não estava sujeito pelo do imperador.


Enquanto Huss esteve encerrado, o Concílio agiu como Inquisição. Condenaram as doutrinas de Wycliffe, e inclusive ordenaram que seus restos fossem exumados e queimados, ordens que foram estritamente cumpridas. Nesse ínterim, a nobreza da Boémia e da Polónia intercedeu intensamente por Huss, e prevaleceram até o ponto de impedir que for julgado sem ser ouvido, coisa que tinha sido a intenção dos comissionados designados para julgá-lo.

Quando o fizeram comparecer diante do Concílio, leram-lhe os artigos redigidos contra ele; eram por volta de uns quarenta, maiormente extraídos de seus escritos.

A resposta de John Huss foi: “Apelei ao Papa e, morto ele, e não tendo sido decidida minha causa, apelei do mesmo modo a seu sucessor João XXIII, e não podendo lograr meus advogados que me admitisse em sua presença para defender minha causa, apelei ao sumo juiz, Cristo”.


Tendo dito Huss estas coisas, foi-lhe perguntado se havia recebido a absolvição do Papa ou não. Ele respondeu: “Não”. Depois, quando lhe perguntou se era legítimo que apelasse a Cristo, John Huss respondeu: “Em verdade afirmo aqui diante de todos vós outros que não há apelação mais justa nem mais eficaz que a que se faz a Cristo, porquanto a lei determina que apelar não é outra cousa que, quando for cometido um mal por parte de um juiz inferior, se implora e pede ajuda de mãos de um juiz superior. E quem é maior Juiz que Cristo? Quem, digo eu. Pode conhecer ou julgar a questão com maior justiça ou equidade? Pois d´Ele não há engano, nem Ele pode ser enganado por ninguém; e acaso pode alguém dar melhor ajuda que Ele aos pobres e aos oprimidos?” Enquanto John Huss, com rosto devoto e sóbrio, falava e pronunciava estas palavras, estava sendo ridicularizado e escarnecido por todo o Concílio.

Estas excelentes expressões foram consideradas como manifestações de traição, e tenderam a inflamar seus adversários. Por isso, os bispos designados pelo Concílio o privaram de seus hábitos sacerdotais, o degradaram, lhe colocaram uma mitra de papel na cabeça com demónios pintados nela, com esta expressão: “Líder de hereges”. Ao ver isto, ele disse: “Meu Senhor Jesus Cristo, por minha causa, levou uma coroa de espinhos. Por que não iria eu, então, levar esta ligeira coroa, por ignominiosa que seja? Em verdade vou levá-la, e de boa vontade”. Quando a colocaram em sua cabeça, o bispo disse: “Agora encomendamos tua alma ao demónio”. “Porém eu”, disse John Huss, levantando os olhos ao céu, “encomendo em tuas mãos, oh Senhor Jesus Cristo, meu espírito que Tu remiste”.


Quando o amarraram à estaca com a corrente, disse, com rosto sorridente: “Meu Senhor Jesus foi amarrado com uma corrente mais dura que esta por minha causa; por que deveria eu envergonhar-me desta, tão enferrujada?”.

Quando empilharam a lenha até o pescoço, o duque de Baviera esteve muito solícito com ele, desejando-lhe que se desdissesse. “Não”, disse-lhe Huss, “nunca prediquei doutrina alguma com más tendências, e o que ensinaram meus lábios o selarei agora com meu sangue”. Depois disse ao algoz: “Vai assar um ganso (sendo que Huss significa ganso em língua boémia), porém dentro de um século te encontrarás com um cisne que não poderás nem assar nem cozer”. Se ele disse uma profecia, devia referir-se a Martinho Lutero, que apareceu após uns cem anos, e em cujo escudo de armas figurava um cisne.

Finalmente aplicaram o fogo à lenha, e então nosso mártir cantou um hino com voz tão forte e alegre que foi ouvido através do crepitar da lenha e do fragor da multidão. Finalmente, sua voz foi silenciada pela força das labaredas, que logo puseram fim a sua existência.

Então, com grande diligência, reunindo as cinzas, as lançaram no rio Rhin, para que não sobrasse o menos resto daquele homem sobre a terra, cuja memória,contudo, não poderá ser abolida das mentes dos piedosos nem pelo fogo, nem por água, nem por tormento algum.

A perseguição de Jerónimo de Praga
Este reformador, companheiro do doutor Huss, e poderia dizer-se que mártir com ele, tinha nascido em Praga, e se educou naquela universidade, onde se distinguiu por suas enormes capacidades e erudição. Visitou também vários outros eruditos seminários na Europa, particularmente as universidades de Paris, Heidelberg, Colónia e Oxford. Neste último lugar se familiarizou com as obras de Wycliffe, e, sendo pessoa de uma grande capacidade de trabalho, traduziu muitas delas a sua língua nativa, tendo chegado a ser um grande conhecedor da língua inglesa, após árduos estudos.

Ao voltar a Praga, se manifestou abertamente como favorecedor de Wycliffe, e ao ver que suas doutrinas tinham feito grande progresso na Boémia, e que Huss era seu principal patrocinador, veio em sua ajuda na grande obra da reforma.

O quatro de abril de 1415 chegou Jerónimo a Constança, uns três meses antes da morte de Huss. Entrou em privado na cidade, e consultando com alguns dos líderes de seu partido, aos que encontrou ali, ficou facilmente convencido de que não poderia ser de ajuda alguma para seus amigos.


Ao saber que sua chegada a Constança tinha sido conhecida publicamente, e que o Concílio tinha a intenção de apresá-lo, considerou que o mais prudente era retirar-se. Assim sendo, no dia seguinte foi para Iberling, uma cidade imperial a uma milha de Constança. Desde este lugar escreveu ao imperador, manifestando-lhe sua boa disposição a comparecer diante do Concílio se lhe era concedido um salvo-conduto; porém lhe foi recusado. Então enviou uma solicitude ao Concílio, e recebeu uma resposta não menos desfavorável que a do imperador.

Depois disto, empreendeu o retorno à Boémia. Teve a precaução de levar consigo um certificado, assinado por vários dos nobres boémios, que então estavam em Constança, que dava testemunho de que tinha utilizado todos os médios prudentes em sua mão para conseguir uma audiência.

Jerónimo, contudo, não escaparia. Foi apressado em Hirsaw por um oficial do duque de Sultbach, que, embora carecendo de autorização para agir neste sentido, não tinha dúvida alguma de que o Concílio iria agradece-lhe um serviço tão aceitável.


O duque de Sultbach, com Jerónimo em seu poder, escreveu ao Concílio pedindo instruções acerca de como proceder. O Concílio, trás expressar seu agradecimento ao duque, pediu-lhe que enviasse o prisioneiro de imediato a Constança. O eleitor palatino se encontrou com ele no caminho, e o levou de volta à cidade, cavalgando com ele num corcel, com um numeroso cortejo, que levava a Jerónimo acorrentado com uma longa corrente; assim que chegaram, Jerónimo foi lançado numa imunda masmorra.

Jerónimo foi logo tratado de uma forma muito semelhante a como tinha sido tratado Huss, só que sofreu um confinamento muito mais prolongado, e passou de uma a outra prisão. No final, feito comparecer perante o Concílio, desejou defender sua causa e exculpar-se; sendo- lhe isto negado, prorrompeu nas seguintes palavras:


“Que barbaridade é esta! Durante trezentos e quarenta dias estive encerrado em várias prisões. Não há miséria nem carência que não tenha experimentado. Aos meus inimigos lhes tendes permitido toda as facilidades para acusar. A mim me negais a mais mínima oportunidade de defender-me. Nem uma hora me permitireis preparar-me para o meu juízo. Tendes engolido as mais negras calúnias contra minha honra. Tendes-me apresentado como herege, sem conhecer minha doutrina; como inimigo da fé, antes que saber que fé professo; como perseguidor de sacerdotes, antes de ter uma oportunidade de saber quais são meus pensamentos acerca disto. Sois um Concílio Geral; em vós se centra tudo o que este mundo pode comunicar de seriedade, sabedoria e santidade; porém, contudo sois somente homens, e os homens poder ser atraídos pelas aparências. Quanto mais elevado seja vosso caráter para sabedoria, tanto mais cuidado deveríeis tomar de não desviar-vos para a insensatez. A causa que agora alego não é minha própria causa: é a causa de todos os homens, é a causa dos cristãos; é uma causa que afetará os direitos da posteridade, segundo o que fizerdes com minha pessoa”.


Este discurso não exerceu o mais mínimo efeito; Jerónimo foi obrigado a ouvir a leitura da acusação, que se reduzia aos seguintes encabeçados:
1) Que era um ridicularizador da dignidade papal.

2)  Um opositor do Pai.

3)  Um inimigo dos cardeais.

4)  Um perseguidor dos prelados.

5)  Um aborrecedor da religião cristã.

O juízo de Jerónimo teve lugar no terceiro dia de sua acusação, e se interrogou a testemunhas em apoio da acusação. O prisioneiro estava disposto para sua defesa, o que parece quase incrível, quando consideramos que tinha estado trezentos e quarenta dias aprisionado numa imunda cela, privado da luz do dia, e quase morto de fome por carência das coisas mais necessárias. Mas seu espírito se elevou por acima destas desvantagens sob as que homens com menor coragem teriam afundado; e não se privou de citar os pais e os autores antigos, como se tivesse estado dotado da melhor biblioteca.


Os mais fanáticos da assembleia não desejavam que fosse ouvido, porque sabiam o efeito que pode ter a eloquência nas mentes das pessoas mais cheias de prejuízos. No final, a maioria prevaleceu em que se devia dar-lhe liberdade para falar em sua própria defesa. Esta defesa a iniciou com uma eloquência tão comovente e sublime que se viu como se fundiam os corações mais cheios de zelo e endurecidos e como as mentes supersticiosas pareciam admitir um raio de convicção. Estabeleceu uma admirável distinção entre a evidência que repousava sobre os fatos, e a sustentada pela malícia e a calúnia. Expus ante a assembleia todo o teor de sua vida e conduta. Observou que os maiores e santos dos homens tinham sido observados diferindo em questões pontuais e especulativas, com vistas a distinguir a verdade, não a mantê-la oculta. Expressou um nobre menosprezo de todos seus inimigos, que o haviam induzido a desdizer-se da causa da virtude e da verdade. Entrou num alto encómio de Huss, e se manifestou disposto a segui-lo no glorioso caminho do martírio. Depois tocou as doutrinas mais defendíveis de Wycliffe, e concluiu observando que estava longe de sua intenção avançar nada em contra do estado da Igreja de Deus; que somente se queixava dos abusos do clero; que não podia deixar de dizer que era certamente coisa ímpia que o património da Igreja, que originalmente tinha sido designado para a caridade e a benevolência universal, se prostituísse pela concupiscência dos olhos, em festas, vestes extravagantes e outros vitupérios para o nome a profissão do cristianismo. Terminado o juízo, Jerónimo recebeu a mesma sentença que tinha sido executada contra seu compatriota mártir. Como consequência disto foi, segundo o estilo do engano papista, entregue ao braço secular; mas como era laico, não podia passar pela cerimónia da degradação. Tinham-lhe preparado uma coroa de papel pintada com demónios vermelhos. Quando a teve colocada sobre a sua cabeça, exclamou: “Nosso Senhor Jesus Cristo, quando sofreu a morte por mim, um pecador mais que miserável, levou sobre Sua cabeça uma coroa de espinhos; por amor d´Ele levarei eu esta coroa”.

Foram-lhe permitidos dois dias, com a esperança que se retratasse; durante este tempo o cardeal de Florência empregou todos seus esforços para tratar de ganhá-lo. porém tudo isso resultou ineficaz. Jerónimo estava resolvido a selar a doutrina com seu sangue, e sofreu a morte com a mais distinguida magnanimidade.

Ao ir para o local da execução cantou vários hinos, e ao chegar no lugar, que era o mesmo no qual Huss tinha sido queimado, se ajoelhou e orou fervorosamente. Abraçou a estaca com grande ânimo, e quando foram por trás dele a acender a lenha, disse-lhes: “Vinde aqui, acendei o fogo diante de minha cara; se eu tiver tido medo das chamas, não teria vindo a este lugar”. Ao acender-se o fogo, cantou um hino, porém logo viu-se interrompido pelas labaredas, e as últimas palavras que se ouviram foram estas: “A ti, oh Cristo, te ofereço esta alma em chamas”.

O elegante Pogge, um erudito cavalheiro de Florência, secretário de dois Papas, e católico zeloso, porém liberal, deu numa carta a Leonard Arotin um amplo testemunho das extraordinárias qualidades e virtudes de Jerónimo, a quem descreve de maneira enfática como um homem prodigioso!

A perseguição de Zisca
O verdadeiro nome deste zeloso servo de Cristo era João de Troczonow; o nome de Zisca é uma palavra boémia, que significa caolho, já que tinha perdido um olho. Era íntima de Boémia, de uma boa família, e deixou a corte de Venceslau para entrar no serviço do rei da Polónia contra os cavalheiros germanos. Tendo obtido um título honorifico e uma bolsa de ducados por seu valor, ao terminar a guerra voltou à corte de Venceslau, ante quem reconheceu abertamente o profundo interesse que se tomava na sanguinária afronta que se tinha feito aos súbditos de sua majestade em Constança, no assunto de Huss. Venceslau lamentava não ter o poder de vingá-lo, e desde este momento se diz que Zisca assumiu a ideia de afirmar as liberdades religiosas de seu país. No ano 1418 se dissolveu o Concílio, tendo feito mais mal que bem, e no verão daquele ano se celebrou uma reunião geral dos amigos da reforma religiosa no castelo de Wisgrade que, dirigida por Zisca, se