Os pontífices romanos, que tinham usurpado o poder sobre
várias igrejas, foram particularmente severos com os boémios, até ao ponto de lhes
enviar dois ministros e quatro laicos a Roma, no ano 997, para obterem
reparações do Papa. Depois de alguma tardança, foi-lhes concedida sua petição,
e reparados os danos. Permitiram-lhes duas coisas em particular: ter o serviço
divino em sua própria língua, e que o povo pudesse participar do vinho no
sacramento.
Apesar disso, as disputas voltaram a renascer, tentando os
seguintes Papas por todos seus médios impor-se sobre as mentes dos boémios, e
estes, animadamente, tratando de preservar suas liberdades religiosas.
No ano 1375, alguns zelosos amigos do Evangelho apelaram a
Carlos, rei da Boémia, para que convocasse um Concílio Ecuménico para fazer uma
indagação dos abusos que tinham-se introduzido na Igreja, e para efetivar uma
reforma plena e exaustiva. O rei, que não sabia como proceder, enviou ao Papa
uma comunicação pedindo-lhe conselho acerca de como agir; mas o pontífice
sentiu-se tão indignado ante este assunto que sua única resposta foi: “Castigai
severamente a estes desconsiderados e profanos hereges”. O monarca, portanto,
desterrou a todos os que estavam implicados nesta solicitude, e, para agradar o
Papa, impus um grande número de restrições adicionais sobre as liberdades
religiosas do povo.
As vítimas da perseguição, não obstante, não foram tão
numerosas na Boémia senão até depois da queima de John Huss e de Jerónimo de
Praga. Estes dois eminentes reformadores foram condenados e executados a
instigação do Papa e de seus emissários, como o leitor verá pela leitura dos
seguintes breves bosquejos de suas vidas.
A perseguição de John
Huss
John Huss nasceu em Hussenitz, um povoado de Boémia, por
volta do ano 1380. Os seus pais lhe deram a melhor educação que lhes permitiam
as circunstâncias; e tendo adquirido um bom conhecimento dos clássicos numa
escola privada, passou à universidade de Praga, onde logo deu provas de sua
capacidade intelectual, e onde se destacou por sua diligencia e aplicação ao
estudo.
Em 1398, Huss alcançou o nível de bacharel em divindade, e
depois foi sucessivamente escolhido pastor da Igreja de Belém, em Praga, e
decano e reitor da universidade. Nestas posições cumpriu seus deveres com grande
fidelidade, e ao final se destacou de tal modo por sua predicação, que se
conformava com as doutrinas de Wycliffe, que não era possível que pudesse fugir
à atenção do Papa e de seus partidários, contra os que predicava com não pouca
aspereza.
O reformista inglês Wycliffe havia acendido de tal modo a
luz da reforma, que começou a iluminar os cantos mais tenebrosos do papado e da
ignorância. Suas doutrinas se espalharam pela Boémia, e foram bem recebidas por
muitas pessoas, porém por ninguém tão particular como por John Huss e seu
zeloso amigo e companheiro de martírio, Jerónimo de Praga.
O arcebispo de Praga, ao ver que os reformistas aumentavam a
diário, emitiu um decreto para suprimir a dispersão contínua dos escritos de
Wycliffe; no entanto, isto teve um efeito totalmente contrário ao esperado,
porque serviu de estímulo para o zelo dos amigos destas doutrina, e quase toda
a universidade se uniu para propagá-las.
Estreito aderente das doutrinas de Wycliffe, Huss se opus ao
decreto do arcebispo, que contudo conseguiu uma bula do Papa, que lhe
encarregava impedir a dispersão das doutrinas de Wycliffe em sua província. Em
virtude desta bula, o arcebispo condenou os escritos de Wycliffe; também
procedeu contra quatro doutores que não tinham entregado as cópias daquela
teologia, e lhes proibiram, apesar de seus privilégios, anunciar a consagração
alguma. O doutor Huss, junto com alguns outros membros da universidade,
protestaram contra estes procedimentos, e apelaram contra a sentença do
arcebispo.
Ao saber o Papa da situação, concedeu uma comissão do
cardeal Colonna, para que citasse a John Huss a comparecer pessoalmente na
corte de Roma, a fim de responder a acusação que tinha sido apresentada em sua
contra de predicar erros e heresias. O doutor Huss pediu ser escusado de
comparecer pessoalmente, e era tão favorecido na Boémia que o rei Wenceslau, a
rainha, a nobreza e a universidade pediram ao Papa que dispensara seu
comparecimento; também que não deixasse que o reino de Boémia estiver sob
acusação de heresia, senão que lhes for permitido predicar o Evangelho com
liberdade em seus lugares de culto.
Três procuradores compareceram ante o cardeal Colonna em
representação do doutor Huss. Trataram de escusar a sua ausência, e disseram
que estavam dispostos a responder em seu lugar. Mas o cardeal declarou contumaz
a Huss, e por isso o excomungou. Os procuradores apelaram ao Papa, e designaram
a quatro cardeais para que examinassem o processo. Estes comissionados
confirmaram a sentença, e estenderam a excomunhão não só a Huss senão também a
seus amigos e seguidores.
Huss apelou contra esta sentença a um futuro Concílio, porém
sem êxito; e apesar da severidade do decreto e da conseguinte expulsão de sua
igreja em Praga, se retirou a Hussenitz, sua cidade natal, onde continuou
propagando sua nova doutrina, tanto desde o púlpito como com sua pluma.
As cartas que escreveu nesta época foram muito numerosas; e
recopilou um tratado no qual mantinha que não se podia proibir de forma
absoluta a leitura dos livros dos reformistas. Escreveu em defesa do livro de
Wycliffe acerca da Trindade, e se manifestou abertamente em contra dos vícios
do Papa, dos cardeais e do clero daqueles tempos corruptos. Escreveu também
muitos outros livros, todos os quais redigiu com uma força argumentativa que
facilitava enormemente a difusão de suas doutrinas.
No mês de novembro de 1414 se convocou um Concílio geral em
Constança, Alemanha, com o único propósito, como se pretendia, de decidir entre
uma disputa que estava então pendente entre três pessoas que contendiam pelo
papado; porém seu verdadeiro motivo era esmagar o avanço da Reforma.
John Huss foi chamado a comparecer diante deste Concílio;
para alentá-lo, o imperador lhe enviou um salvo-conduto. As cortesias e
inclusive a reverência com que Huss se encontrou pelo caminho eram
inimagináveis. Pelas ruas que passava, e inclusive pelas estradas, se
aglomerava a gente as quais o respeito, mais que a curiosidade, levava até lá.
Foi levado à cidade em meio de grandes aclamações, e se pode
dizer que passou pela Alemanha em triunfo. Não podia deixar de expressar sua
surpresa ante o tratamento que lhe dispensavam. “Pensava eu (disse) que era um
proscrito. Agora vejo que meus piores inimigos estão na Boémia”.
Tão logo como Huss chegou a Constança, tomou um alojamento
numa parte afastada da cidade. Pouco depois de sua chegada, veio um tal Stephen
Paletz, quem tinha sido contratado pelo clero de Praga para apresentar as
acusações em sua contra. A Paletz se uniu posteriormente Miguel de Cassis, de
parte da corte de Roma. Estes dois se declararam seus acusadores, e redigiram
um conjunto de artigos em contra dele, que apresentaram ao Papa e aos prelados
do Concílio.
Quando se soube que estava na cidade, foi arrestado
imediatamente, e constituído prisioneiro numa câmara do palácio. Esta violação
da lei comum e da justiça foi observada em particular por um dos amigos de
Huss, quem aduziu o salvo-conduto imperial; porém o Papa replicou que ele nunca
tinha concedido nenhum salvo-conduto, e que não estava sujeito pelo do
imperador.
Enquanto Huss esteve encerrado, o Concílio agiu como
Inquisição. Condenaram as doutrinas de Wycliffe, e inclusive ordenaram que seus
restos fossem exumados e queimados, ordens que foram estritamente cumpridas.
Nesse ínterim, a nobreza da Boémia e da Polónia intercedeu intensamente por
Huss, e prevaleceram até o ponto de impedir que for julgado sem ser ouvido,
coisa que tinha sido a intenção dos comissionados designados para julgá-lo.
Quando o fizeram comparecer diante do Concílio, leram-lhe os
artigos redigidos contra ele; eram por volta de uns quarenta, maiormente
extraídos de seus escritos.
A resposta de John Huss foi: “Apelei ao Papa e,
morto ele, e não tendo sido decidida minha causa, apelei do mesmo modo a seu sucessor
João XXIII, e não podendo lograr meus advogados que me admitisse em sua
presença para defender minha causa, apelei ao sumo juiz, Cristo”.
Tendo dito Huss estas coisas, foi-lhe perguntado se havia
recebido a absolvição do Papa ou não. Ele respondeu: “Não”. Depois, quando lhe
perguntou se era legítimo que apelasse a Cristo, John Huss respondeu: “Em
verdade afirmo aqui diante de todos vós outros que não há apelação mais justa
nem mais eficaz que a que se faz a Cristo, porquanto a lei determina que apelar
não é outra cousa que, quando for cometido um mal por parte de um juiz
inferior, se implora e pede ajuda de mãos de um juiz superior. E quem é maior
Juiz que Cristo? Quem, digo eu. Pode conhecer ou julgar a questão com maior
justiça ou equidade? Pois d´Ele não há engano, nem Ele pode ser enganado por
ninguém; e acaso pode alguém dar melhor ajuda que Ele aos pobres e aos
oprimidos?” Enquanto John Huss, com rosto devoto e sóbrio, falava e pronunciava
estas palavras, estava sendo ridicularizado e escarnecido por todo o Concílio.
Estas excelentes expressões foram consideradas como
manifestações de traição, e tenderam a inflamar seus adversários. Por isso, os
bispos designados pelo Concílio o privaram de seus hábitos sacerdotais, o
degradaram, lhe colocaram uma mitra de papel na cabeça com demónios pintados
nela, com esta expressão: “Líder de hereges”. Ao ver isto, ele disse: “Meu
Senhor Jesus Cristo, por minha causa, levou uma coroa de espinhos. Por que não
iria eu, então, levar esta ligeira coroa, por ignominiosa que seja? Em verdade
vou levá-la, e de boa vontade”. Quando a colocaram em sua cabeça, o bispo
disse: “Agora encomendamos tua alma ao demónio”. “Porém eu”, disse John Huss,
levantando os olhos ao céu, “encomendo em tuas mãos, oh Senhor Jesus Cristo,
meu espírito que Tu remiste”.
Quando o amarraram à estaca com a corrente, disse, com rosto
sorridente: “Meu Senhor Jesus foi amarrado com uma corrente mais dura que esta
por minha causa; por que deveria eu envergonhar-me desta, tão enferrujada?”.
Quando empilharam a lenha até o pescoço, o duque de Baviera
esteve muito solícito com ele, desejando-lhe que se desdissesse. “Não”,
disse-lhe Huss, “nunca prediquei doutrina alguma com más tendências, e o que
ensinaram meus lábios o selarei agora com meu sangue”. Depois disse ao algoz:
“Vai assar um ganso (sendo que Huss significa ganso em língua boémia), porém
dentro de um século te encontrarás com um cisne que não poderás nem assar nem
cozer”. Se ele disse uma profecia, devia referir-se a Martinho Lutero, que
apareceu após uns cem anos, e em cujo escudo de armas figurava um cisne.
Finalmente aplicaram o fogo à lenha, e então nosso mártir
cantou um hino com voz tão forte e alegre que foi ouvido através do crepitar da
lenha e do fragor da multidão. Finalmente, sua voz foi silenciada pela força
das labaredas, que logo puseram fim a sua existência.
Então, com grande diligência, reunindo as cinzas, as
lançaram no rio Rhin, para que não sobrasse o menos resto daquele homem sobre a
terra, cuja memória,contudo, não poderá ser abolida das mentes dos piedosos nem
pelo fogo, nem por água, nem por tormento algum.
A perseguição de Jerónimo
de Praga
Este reformador, companheiro do doutor Huss, e poderia
dizer-se que mártir com ele, tinha nascido em Praga, e se educou naquela
universidade, onde se distinguiu por suas enormes capacidades e erudição.
Visitou também vários outros eruditos seminários na Europa, particularmente as
universidades de Paris, Heidelberg, Colónia e Oxford. Neste último lugar se
familiarizou com as obras de Wycliffe, e, sendo pessoa de uma grande capacidade
de trabalho, traduziu muitas delas a sua língua nativa, tendo chegado a ser um
grande conhecedor da língua inglesa, após árduos estudos.
Ao voltar a Praga, se manifestou abertamente como
favorecedor de Wycliffe, e ao ver que suas doutrinas tinham feito grande
progresso na Boémia, e que Huss era seu principal patrocinador, veio em sua
ajuda na grande obra da reforma.
O quatro de abril de 1415 chegou Jerónimo a Constança, uns
três meses antes da morte de Huss. Entrou em privado na cidade, e consultando
com alguns dos líderes de seu partido, aos que encontrou ali, ficou facilmente
convencido de que não poderia ser de ajuda alguma para seus amigos.
Ao saber que sua chegada a Constança tinha sido conhecida
publicamente, e que o Concílio tinha a intenção de apresá-lo, considerou que o
mais prudente era retirar-se. Assim sendo, no dia seguinte foi para Iberling,
uma cidade imperial a uma milha de Constança. Desde este lugar escreveu ao
imperador, manifestando-lhe sua boa disposição a comparecer diante do Concílio
se lhe era concedido um salvo-conduto; porém lhe foi recusado. Então enviou uma
solicitude ao Concílio, e recebeu uma resposta não menos desfavorável que a do
imperador.
Depois disto, empreendeu o retorno à Boémia. Teve a
precaução de levar consigo um certificado, assinado por vários dos nobres boémios,
que então estavam em Constança, que dava testemunho de que tinha utilizado
todos os médios prudentes em sua mão para conseguir uma audiência.
Jerónimo, contudo, não escaparia. Foi apressado em Hirsaw
por um oficial do duque de Sultbach, que, embora carecendo de autorização para
agir neste sentido, não tinha dúvida alguma de que o Concílio iria agradece-lhe
um serviço tão aceitável.
O duque de Sultbach, com Jerónimo em seu poder, escreveu ao
Concílio pedindo instruções acerca de como proceder. O Concílio, trás expressar
seu agradecimento ao duque, pediu-lhe que enviasse o prisioneiro de imediato a
Constança. O eleitor palatino se encontrou com ele no caminho, e o levou de
volta à cidade, cavalgando com ele num corcel, com um numeroso cortejo, que
levava a Jerónimo acorrentado com uma longa corrente; assim que chegaram, Jerónimo
foi lançado numa imunda masmorra.
Jerónimo foi logo tratado de uma forma muito semelhante a
como tinha sido tratado Huss, só que sofreu um confinamento muito mais
prolongado, e passou de uma a outra prisão. No final, feito comparecer perante
o Concílio, desejou defender sua causa e exculpar-se; sendo- lhe isto negado,
prorrompeu nas seguintes palavras:
“Que barbaridade é esta! Durante trezentos e quarenta dias
estive encerrado em várias prisões. Não há miséria nem carência que não tenha
experimentado. Aos meus inimigos lhes tendes permitido toda as facilidades para
acusar. A mim me negais a mais mínima oportunidade de defender-me. Nem uma hora
me permitireis preparar-me para o meu juízo. Tendes engolido as mais negras
calúnias contra minha honra. Tendes-me apresentado como herege, sem conhecer
minha doutrina; como inimigo da fé, antes que saber que fé professo; como
perseguidor de sacerdotes, antes de ter uma oportunidade de saber quais são
meus pensamentos acerca disto. Sois um Concílio Geral; em vós se centra tudo o
que este mundo pode comunicar de seriedade, sabedoria e santidade; porém,
contudo sois somente homens, e os homens poder ser atraídos pelas aparências.
Quanto mais elevado seja vosso caráter para sabedoria, tanto mais cuidado
deveríeis tomar de não desviar-vos para a insensatez. A causa que agora alego
não é minha própria causa: é a causa de todos os homens, é a causa dos
cristãos; é uma causa que afetará os direitos da posteridade, segundo o que
fizerdes com minha pessoa”.
Este discurso não exerceu o mais mínimo efeito; Jerónimo foi
obrigado a ouvir a leitura da acusação, que se reduzia aos seguintes
encabeçados:
1) Que era um ridicularizador da dignidade papal.
2) Um opositor do
Pai.
3) Um inimigo dos
cardeais.
4) Um perseguidor dos
prelados.
5) Um aborrecedor da
religião cristã.
O juízo de Jerónimo teve lugar no terceiro dia de sua
acusação, e se interrogou a testemunhas em apoio da acusação. O prisioneiro
estava disposto para sua defesa, o que parece quase incrível, quando
consideramos que tinha estado trezentos e quarenta dias aprisionado numa imunda
cela, privado da luz do dia, e quase morto de fome por carência das coisas mais
necessárias. Mas seu espírito se elevou por acima destas desvantagens sob as
que homens com menor coragem teriam afundado; e não se privou de citar os pais
e os autores antigos, como se tivesse estado dotado da melhor biblioteca.
Os mais fanáticos da assembleia não desejavam que fosse
ouvido, porque sabiam o efeito que pode ter a eloquência nas mentes das pessoas
mais cheias de prejuízos. No final, a maioria prevaleceu em que se devia
dar-lhe liberdade para falar em sua própria defesa. Esta defesa a iniciou com
uma eloquência tão comovente e sublime que se viu como se fundiam os corações
mais cheios de zelo e endurecidos e como as mentes supersticiosas pareciam
admitir um raio de convicção. Estabeleceu uma admirável distinção entre a
evidência que repousava sobre os fatos, e a sustentada pela malícia e a
calúnia. Expus ante a assembleia todo o teor de sua vida e conduta. Observou
que os maiores e santos dos homens tinham sido observados diferindo em questões
pontuais e especulativas, com vistas a distinguir a verdade, não a mantê-la
oculta. Expressou um nobre menosprezo de todos seus inimigos, que o haviam
induzido a desdizer-se da causa da virtude e da verdade. Entrou num alto encómio
de Huss, e se manifestou disposto a segui-lo no glorioso caminho do martírio.
Depois tocou as doutrinas mais defendíveis de Wycliffe, e concluiu observando
que estava longe de sua intenção avançar nada em contra do estado da Igreja de
Deus; que somente se queixava dos abusos do clero; que não podia deixar de
dizer que era certamente coisa ímpia que o património da Igreja, que
originalmente tinha sido designado para a caridade e a benevolência universal,
se prostituísse pela concupiscência dos olhos, em festas, vestes extravagantes
e outros vitupérios para o nome a profissão do cristianismo. Terminado o juízo,
Jerónimo recebeu a mesma sentença que tinha sido executada contra seu
compatriota mártir. Como consequência disto foi, segundo o estilo do engano
papista, entregue ao braço secular; mas como era laico, não podia passar pela cerimónia
da degradação. Tinham-lhe preparado uma coroa de papel pintada com demónios
vermelhos. Quando a teve colocada sobre a sua cabeça, exclamou: “Nosso Senhor
Jesus Cristo, quando sofreu a morte por mim, um pecador mais que miserável,
levou sobre Sua cabeça uma coroa de espinhos; por amor d´Ele levarei eu esta
coroa”.
Foram-lhe permitidos dois dias, com a esperança que se
retratasse; durante este tempo o cardeal de Florência empregou todos seus
esforços para tratar de ganhá-lo. porém tudo isso resultou ineficaz. Jerónimo
estava resolvido a selar a doutrina com seu sangue, e sofreu a morte com a mais
distinguida magnanimidade.
Ao ir para o local da execução cantou vários hinos, e ao
chegar no lugar, que era o mesmo no qual Huss tinha sido queimado, se ajoelhou
e orou fervorosamente. Abraçou a estaca com grande ânimo, e quando foram por
trás dele a acender a lenha, disse-lhes: “Vinde aqui, acendei o fogo diante de
minha cara; se eu tiver tido medo das chamas, não teria vindo a este lugar”. Ao
acender-se o fogo, cantou um hino, porém logo viu-se interrompido pelas
labaredas, e as últimas palavras que se ouviram foram estas: “A ti, oh Cristo,
te ofereço esta alma em chamas”.
O elegante Pogge, um erudito cavalheiro de Florência,
secretário de dois Papas, e católico zeloso, porém liberal, deu numa carta a
Leonard Arotin um amplo testemunho das extraordinárias qualidades e virtudes de
Jerónimo, a quem descreve de maneira enfática como um homem prodigioso!
A perseguição de
Zisca
O verdadeiro nome deste zeloso servo de Cristo era João de
Troczonow; o nome de Zisca é uma palavra boémia, que significa caolho, já que
tinha perdido um olho. Era íntima de Boémia, de uma boa família, e deixou a
corte de Venceslau para entrar no serviço do rei da Polónia contra os
cavalheiros germanos. Tendo obtido um título honorifico e uma bolsa de ducados
por seu valor, ao terminar a guerra voltou à corte de Venceslau, ante quem reconheceu
abertamente o profundo interesse que se tomava na sanguinária afronta que se
tinha feito aos súbditos de sua majestade em Constança, no assunto de Huss. Venceslau
lamentava não ter o poder de vingá-lo, e desde este momento se diz que Zisca
assumiu a ideia de afirmar as liberdades religiosas de seu país. No ano 1418 se
dissolveu o Concílio, tendo feito mais mal que bem, e no verão daquele ano se
celebrou uma reunião geral dos amigos da reforma religiosa no castelo de
Wisgrade que, dirigida por Zisca, se