13/06/2013

QUEM FOI O PRIMEIRO PAPA?


Do primeiro papa até Zefirino: 217 d.C.

 
O primeiro bispo de Roma de que se tem certeza foi Lino, que morreu por volta do ano 67 d.C. depois de ter escrito, segundo o historiador Platino, algo referente à luta de São Pedro com Simão Mago.
Em seguida veio Anacleto, ou Cleto, como alguns preferem, que cuidou dos fiéis romanos por seis anos. Parece que foi ele que dividiu Roma em "títuli" ou paróquias, ordenando os primeiros sete diáconos. Parece que morreu em 71: uns dizem como mártir, outros o negam.
Veio em seguida a Clemente, de quem já falamos bastante nos artigos passados quanto às suas ideias sobre a constituição do cristianismo.
Pouco se sabe da vida dele. Parece que morreu mártir. Assim afirmam Rufino e o bispo Zósimo, embora Eusébio e Gerónimo o neguem. Ireneu deixou escrito que o primeiro bispo romano mártir foi Telésforo.
Por aí o leitor vê a dificuldade de encontrar a verdade histórica desses primeiros séculos. Clemente morreu em 101, quando era imperador Trajano. Sucedeu-lhe Evaristo (101-109) que o "Liber Pontificalis" chama de mártir na perseguição de Trajano. Ordenou seis padres, cinco bispos e dois diáconos.
Então foi eleito Alexandre (109-116). O cardeal Barônio, na sua "Cronologia", coloca a eleição de Alexandre no ano de 121 enquanto a Enciclopédia Mirador o coloca no ano de 109. Alguns autores dizem que o imperador Adriano deu liberdade ao culto cristão, na época do bispo Alexandre.
Como isto foi possível é difícil de explicar, já que Adriano reinou de 117 até 138... Nenhuma cronologia destes primeiros séculos combina! O "Liber Pontificalis" diz que morreu mártir; Sto. Ireneu diz que morreu normalmente em sua cama.
A importância deste bispo romano é ter inventado o ritual da água benta para afugentar o demónio; do pão ázimo e do vinho com água para o ritual da missa.
Mas o cardeal Barônio diz que a água benta, por ser um ritual muito santo, só podia ser inventada pelos apóstolos. E, no entanto, do ponto de vista histórico nós sabemos que a água benta é um antigo ritual pagão dos velhos romanos.
 
Sucedeu-lhe Xisto (117-126). Pouco e muito confuso é o que sabemos dele. Parece que instituiu a Quaresma. Foram-lhe atribuídas duas decretais que começam assim: "Xisto, bispo universal da Igreja apostólica, a todos os bispos, saúde em Deus nosso Senhor; etc."
Mas os historiadores Marino e Baluze provaram tratar-se de documentos apócrifos, forjados séculos mais tarde, para fundamentar a ideologia do poder do bispo de Roma.
Até o historiador padre Pagi afirma tratar-se de documentos falsos pois esse título de "bispo universal" nunca foi usado nos primeiros séculos. Mais tarde os bispos de Roma irão usar outras metáforas como "servo dos servos de Deus".
Sucedeu-lhe Telésforo (126-136), do qual só sabemos que era grego de nascimento e havia morado num convento desde jovem. Sucedeu-lhe Higino (137-141), também grego de nascimento; era filho de um filósofo cujo nome não sabemos.
Exigiu que cada neófito ao ser batizado fosse apresentado por um padrinho ou madrinha. Nesta época houve grande propagação das ideias gnósticas no meio cristão.
Sucedeu-lhe Pio (141-154), do qual nada se sabe com certeza. As notícias que dele temos são muito contraditórias. Sucedeu-lhe Aniceto (154-166), do qual sabemos que era sírio e teve muitas discussões com o bispo Policarpo, discípulo de João Evangelista quanto à data da Páscoa; pois Policarpo, como todos os orientais, queria que fosse celebrada segundo o calendário judaico.
Mas Aniceto não concordou: foi a primeira violação de um costume adotado pelos apóstolos.
Aniceto teve que combater os carpocracianos, que sustentavam que os homens, mesmo cristãos, podiam e deviam gozar todos os prazeres possíveis; que as mulheres deviam pertencer a todos os homens; que não havia ressurreição da carne; que Jesus não passava de mito.
Foi nesta época que os eclesiásticos tiveram que refazer o evangelho original de Marcos porque estes carpocracianos se baseavam em trechos ambíguos deste evangelho (veja meu artigo n° 444, de 21/11/95).
Aniceto foi o primeiro que exigiu dos padres romanos a tonsura, no alto da cabeça, em forma de coroa.
Sucedeu-lhe Sotero (166-175) que, segundo a tradição, exigiu que os recém-casados depois da cerimónia civil fossem tomar a bênção do bispo. É tradição mas não é certo. Provavelmente a bênção do bispo é uma invenção do século XI para salientar o poder eclesiástico.
Note o leitor que se trata de bênção, só. A presença do padre será uma exigência do concilio de Trento, quando se chegará ao absurdo de dizer que o casamento cristão é válido só quando realizado na presença de um eclesiástico autorizado pelo bispo.
Sucedeu-lhe Eleutério (175-189). Nesta época era bispo em Alexandria o célebre Clemente, que escreveu "Strómata", um pequeno tratado de Filosofia Cristã onde, entre outras observações, podemos ler: "Demócrito e Epicuro olhavam o casamento como a principal origem de todos os males; os estóicos consideravam-no um ato sem importância e os discípulos de Aristóteles como o menor de todos os males. Mas nenhum destes filósofos tinha autoridade para julgar ou para apreciar o casamento porque todos se davam às práticas de sodomia."
"Na religião cristã o casamento é uma instituição moral. Ordena-se a conformação do nosso corpo e o mesmo Deus que disse: crescei e multiplicai-vos. (...) O casamento é o germe da família que é a pedra fundamental da sociedade; e os sacerdotes cristãos devem ser os primeiros a dar o exemplo, contraindo uniões sagradas".
"Os nicolaítas e os discípulos de Carpocrates e de seu filho Epifânio pregaram a comunidade das mulheres e cometeram um grande crime perante Deus; são contudo menos culpados dos que renunciam às doçuras do casamento para não aumentar o número dos filhos da humanidade."
"Igualmente condenáveis são os que pretendem que as relações sexuais nos desviam da oração, como é de se condenar Júlio Cassiano que por ódio à reprodução da humanidade chegou a afirmar que Cristo nunca teve mais que as aparências dos Órgãos viris. (...)"
"Todos esses insensatos recusam-se obstinadamente a seguirem os exemplos dos apóstolos São Pedro e São Paulo, que eram casados e coabitavam com suas mulheres e tinham numerosos filhos"... (Não é interessante este trecho escrito cerca de 100 anos após a morte de Pedro e de Paulo?).
Ao bispo Eleutério sucedeu Vitor (189-199), que era natural da África e suscitou novamente a discussão da data da festa da Páscoa escrevendo veementes cartas a todos os bispos do Oriente próximo, ameaçando excomungar quem não aceitasse seu ponto de vista.
Mas esses bispos orientais reagiram com palavras duras pedindo-lhe que ficasse quieto na sua cidade de Roma. Até Sto. Ireneu lhe enviou uma carta, em nome dos cristãos da Gallia, censurando-o por ter mexido na data da Páscoa.
Sucedeu-lhe Zefirino (199-217), que por ser natural de Roma se deixou impressionar pelo cargo de bispo da capital do império e pensou ser uma espécie de imperador espiritual, mas na perseguição de Caracallo fugiu para não ser morto.
Reapareceu quando voltou a calmaria e, para fazer esquecer a sua covardia, perseguiu os heréticos e excomungou os montanistas e, com eles, Tertuliano.
Mas nenhum bispo, no Oriente ou no Ocidente, protestou contra aquilo que Tertuliano havia escrito, isto é: "As nossas Igrejas são todas apostólicas e, todas juntas, formam uma só Igreja. Pela comunhão da paz e pelo mútuo tratamento de irmãos e pelos vínculos de hospitalidade que entrelaçam todos os fiéis".
Para Tertuliano não havia nenhum Primado de bispos romanos: eram todos iguais... E o bispo de Roma Zefirino não reagiu e concordou.
Autor: Carlo Bússola, professor de Filosofia na UFES
Fonte: Publicado originalmente no jornal “A Tribuna” – Vitória-ES, numa série sob o título “Os Bispos de Roma e a Ideologia do Poder”.